quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Ao nível

      No que me interessa mais, destaco nos Óscars deste ano o que foi atribuído a Spike Lee pelo melhor argumento adaptado de "BlacKkKlansman: O Infiltrado"/"BlacKkKlansman", o que sendo merecido o coloca ao nível de Orson Welles em termos de prémios da Academy of Motion Picture Arts and Sciences.
     Os argumentistas distinguidos são Charlie Wachtel, David Rabinowitz, Kevin Willmott e Spike Lee em adaptação de livro de Ron Stallworth, enquanto o argumento de o "O Mundo a Seus Pés"/"Citizen Kane" (1941) era original de Orson Welles e Herman J. Mankiewicz.
                     


      Não, não estou a fazer comparações de mérito, que seriam descabidas, mas a comparar o reconhecimento de cada um por uma instituição prestigiada que tem esquecido os melhores.
     Mas estas distinções são histórica e simbolicamente as mais importantes e as mais famosas do cinema, pelo que mesmo se quisermos não lhes podemos ser indiferentes.
 

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Escritos sobre cinema

   A Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema deu início no ano passado à publicação dos "Escritos sobre cinema" de João Bénard da Costa, que foi director daquela instituição que ajudou a cimentar com o seu gosto de programador e com os seus escritos fundamentais em catálogos e folhas de sala que marcaram uma época.  
   Mas antes da Cinemateca ele dirigiu a programação de cinema da Fundação Calouste Gulbenkian, para cujos ciclos de cinema e filmes escreveu também. 
                  
   Trata-se de uma iniciativa muito importante que abrange essas duas fases da actividade dele, uma publicação inteiramente devida dado o alto nível cultural e cinematográfico dos textos do João ao longo da sua vida, entre o ensaio e a ficção. Uma iniciativa com a qual me congratulo e pela qual felicito a Cinemateca.
    Com prefácio de José Manuel Costa, este Tomo I do 1º Volume inicia uma publicação que aqui aconselho incondicionalmente a todos, cinéfilos e não cinéfilos. Se virem uma parte daqueles filmes acompanhados por aqueles escritos terão uma grande introdução ao cinema. 
     E entretanto o cinema continua, tal como a Cinemateca Portuguesa, o que é muito bom. E o João Bénard da Costa continua a fazer muita falta.

Stanley Donen (1924-2019)

   Conhecido sobretudo por "Serenata à Chuva"/"Singin' in the Rain" que co-dirigiu com Gene Kelly (1952), Stanley Donen foi com Vincente Minnelli um dos reinventores do filme musical no pós-guerra.
   Em filmes como "Um Dia em Nova Iorque"/"On the Town", também co-dirigido com Gene Kelly (1949), trouxe o género para exteriores e deu-lhe uma nova linha, um novo estilo moderno que marcou os anos 50. "Casanova Júnior"/"Give a Girl a Brek" (1953), "Sete Noivas para Sete Irmãos"/"Seven Brides for Seven Brothers" (1954), "Dançando nas Nuvens"/"It's Always Fair Weather (1955) e "Ciderela em Paris"/"Funny Face" (1957) contam-se entre os seus filmes mais famosos. 
                       Imagem do filme 'Serenata à Chuva'
   Mais tarde Stanley Donen dedicou-se também com grande sucesso à comédia romântica, em filmes como "Indiscreet" (1958), "Charade" (1963), "Arabesque" (1966) e "Caminho para Dois"/"Two for the Road" (1967). 
   Aqui o recordo como um nome fundamental do cinema americano no século XX, que marcou com o seu talento e a sua arte.

Divulgação

 A ARTE DO CINEMA (2.ª Edição)

Horário: 4 sessões (8 Horas) | de 12 de março a 02 de abril 2019 (terça-feira) | Pós-laboral (18h00 – 20h00)

LIVRE (SEM CRÉDITOS)

Formador: Carlos Melo Ferreira
Supervisão Científica: Professor Doutor Vítor Almeida
Professor Doutor Carlos Miguel de Sá e Melo Ferreira, professor jubilado na Escola Superior Artística do Porto, tem uma longa carreira e experiência como pedagogo, investigador e especialista na área do Cinema. Regeu os workshops  “A cor no cinema”, “Os géneros no cinema”, “A palavra no cinema”, “A figura humana – os actores”, “A figura humana – os não-actores”, “Cinema, imagem e a realidade” e “Nouvelle vague”. Deu a masterclass “O cinema e a arte – Pedro Costa”. Participou em conferências e colóquios internacionais de cinema, nomeadamente nos encontros anuais da Associação de Investigadores da Imagem em Movimento, entre outros, com realce para “Corte e Abertura”, do CEAA/ESAP, de que foi co-organizador. Tem artigos publicados em revistas internacionais com double peer review e em livros, e é revisor científico de publicações internacionais sobre cinema  e sobre arte. A seu cargo teve orientações de teses de mestrado e de três teses de doutoramento em universidades portuguesas  e espanholas. Participou em júris de mestrado como orientador e presidente na ESAP , júris de mestrado como arguente e de doutoramento como arguente e orientador em diversas universidades. Da sua vasta experiência pedagógica destaca-se o exercício de funções como Professor Auxiliar na ESAP, regendo cadeiras de História do Cinema, Análise de Filmes, Teorias do Cinema, Filmologia, Documentário Cinematográfico, Estruturas Narrativas na Licenciatura em Cinema e Audiovisual; leccionou também Antropologia Visual e Semiologia e Semiótica na Licenciatura em Design e Comunicação Multimédia; História e Teoria do Cinema e da Televisão e Métodos e Práticas do Argumento no Mestrado em Realização – Cinema e Televisão; Direito da Cultura na Licenciatura em Animação e Produção Cultural. Foi Diretor do Departamento de Teatro e Cinema da ESAP num mandato de dois anos e docente convidado do Mestrado em Comunicação Audiovisual da Escola Superior de Música e das Artes do Espectáculo do Instituto Politécnico do Porto durante dois anos. Tem vários títulos publicados, sendo o mais recente “Cinema Clássico Americano. Géneros e Génio em Howard Hawks”, Lisboa, Edições 70, (2018).
blog:
https://carlosmsmeloferreira.blogspot.com/
Destinatários:
Todos os interessados pelo Cinema: estudantes do Ensino Superior; estudantes do Ensino Secundário da área das Artes Visuais; público em geral com capacidade para a frequência do ensino superior.
Propinas (VER CONDIÇÕES DE PAGAMENTO):
UP/FBAUP – Estudantes , Docentes e Funcionários:
  65,00 Euros |
Público em Geral:  75,00 Euros |
Seguro escolar: 2,00 Euros |
INSCRIÇÕES ATÉ 26 FEVEREIRO DE 2019

DOCUMENTOS NECESSÁRIOS PARA EFETUAR CANDIDATURA: CERTIFICADO DE HABILITAÇÕES LITERÁRIAS
Para candidatar-se, selecione a opção INSCRIÇÕES ONLINE (disponível apenas a partir de 01 de Fevereiro de 2019)
Descrição
Partindo do postulado de que o cinema é uma arte, tentar aferi-lo ao longo da História do Cinema, das suas origens até à atualidade, explorando as características do documentário e da ficção na sua evolução histórica, passando pelo filme artístico, pelo filme sobre artistas e pelo filme sobre arte, para chegar aos filmes contemporâneos que se movem na fronteira entre o documentário e a ficção. Serão tratadas as vanguardas dos anos 20 e 60 do século XX e será dada especial atenção ao cinema moderno e a cineastas como Jean-Luc Godard, Agnès Varda, Peter Greenaway, J.M. Straub,  Frederick Wiseman e Pedro Costa, entre outros.  Perante o percurso histórico e teórico desenvolvido procurar-se-á validar, ou não, o postulado de partida de que o cinema é uma arte – se o for, quando, de que modo e em que casos.
imagem: (c)  Agnès Varda, 1956

Informações
Condições de pagamento:
50% do valor total da propina e seguro escolar: pago no ato da inscrição. SEM ESTE PAGAMENTO A INSCRIÇÃO NÃO É CONSIDERADA.
Valor remanescente da propina: pago até data anterior ao início da unidade de formação
Número mínimo de participantes: 10 (DEZ)
Número máximo de participantes: 25 (VINTE E CINCO)

A SERIAÇÃO DOS CANDIDATOS É FEITA PELA ORDEM DE PAGAMENTO DAS INSCRIÇÕES.
Certificação:
Aos  participantes será emitido:
– um certificado de frequência.
A não aprovação dos formandos pode resultar de:
  1. Assiduidade inferior a 75% do número de horas presenciais;
  2. A não apresentação do trabalho individual/ portefólio;
  3. Um valor médio de desempenho inferior a 50%.
Para efeito de confirmação de falta será considerada uma tolerância de 15 minutos.
Os formandos que reprovarem por falta de assiduidade só serão considerados para unidades de formação futuras caso haja vagas sobrantes.
O pedido de emissão de certificado é feito por escrito para formcontinua@fba.up.pt no final da unidade de formação, e a emissão está sujeita a pagamento de emolumentos no valor representado na tabela em vigor.
BIBLIOGRAFIA/ DOCUMENTAÇÃO DE APOIO:
Aumont, Jacques: “A Imagem. Olhar-Matéria-Presença”, Lisboa, Texto & Grafia, 2014.
Bazin, André: “O que é o Cinema?”, Lisboa, Livros Horizonte, 1992.
Chion, Michel: “Un art sonore, le cinéma – histoire, esthétique, poétique”. Paris, Cahiers du Cinéma, 2001.
Cousins, Mark: “Biografia do Filme”, Lisboa, Plátano, 2005.
Deleuze, Gilles: “A Imagem-Movimento”, Lisboa, Documenta, 2016;
Deleuze, Gilles: “A Imagem-Tempo”, Lisboa, Documenta, 2015.
Ellis, Jack C. e McLane, Betsy A.: “A New History of Documentary Film”, New York-London, Continuum, 2006.
Elsaesser, Thomas e Hagener, Malte: “Film Theory – An Introduction Through the Senses”, New York-London, Routledge, 2010.
Ferreira, Carlos Melo: “Cinema. Uma Arte Impura”, Porto, Afrontamento, 2011.
Ferreira; Carlos Melo: “Pedro Costa”, Porto, Afrontamento, 2018.
Kovács, András Bálint: “Screening Modernism – European Art Cinema, 1950-1980”, The University of Chicago Press, 2007.
Nagib, Lúcia: “World Cinema and the Ethics of Realism”, New York-London, Continuum, 2011.
Rancière, Jacques: “Les temps modernes – Art, temps, politique”, Paris, La fabrique éditions, 2018.


https://fbaupformacaocontinua.wordpress.com/2019/01/14/a-arte-do-cinema-2-a-edicao/

sábado, 23 de fevereiro de 2019

No interior


            Depois de “Ex-Libris: The New York Public Library” (2017), Frederick Wiseman continua a encadear obras-primas uma a seguir a outra com este "Monrovia, Indiana" (2018) sobre uma pequena cidade do interior, um filme com múltiplos motivos de interesse.
            O dispositivo agora é o do exterior, largamente tratado sobretudo na sua parte rural com que se inicia: os porcos, cujo destino não é preciso explicar ou mostrar. Mas o filme acompanha também extensivamente situações e diálogos de interior, no barbeiro, na loja maçónica (o que é uma raridade), na comissão de planeamento, nas conversas de amigos que notam as doenças primeiro, as mortes depois, no cabeleireiro, na loja de armas que são um problema num estado com alta taxa de criminalidade violenta, nas igrejas cristãs - um casamento e um funeral.
            Pela primeira vez de uma forma tão próxima e detalhada na obra do cineasta, temos acesso ao american way of life tal como ele existe e é vivido por uma comunidade pequena e rural. Quando fazem compras aqueles americanos estão a viver o american way of life, tal como estão a dar a parte que lhes cabe quando discutem uma entrada ou um banco, com conhecimento de causa.
          Os planos são em geral curtos excepto quando alguém fala. Aquela terra é mesmo assim, aquela gente vive mesmo assim, todos se conhecem uns aos outros e se estimam há muito.
                      
           Este tipo de convívio é diferente do da grande metrópole, em “In Jackson Hights” (2015), e aquilo que parece interessar o cineasta é o que aproxima as pessoas e como elas se relacionam em torno de que questões.
           Chamadas de atenção para a loja de venda de armas, que sem o dizer a não ser por escrito vai surpreender um problema grave naquela comunidade, e para o discurso final do sacerdote no funeral, dado num só plano longo apenas com contracampo no fim. Segue-se o enterro propriamente dito, numa segunda ida ao cemitério, com as pazadas de terra a serem retiradas do solo para cobrirem o caixão. Tudo muito material no fecho do filme.
          A montagem é rápida, os planos curtos mas com a duração suficiente para a construção de um discurso fílmico fluido, em que tudo é perceptível embora nada dure mais do que o estritamente necessário.
          De "Monrovia, Indiana" desprende-se um sentimento de angústia decorrente de daquela comunidade serem mostradas mais mortes do que nascimentos, o que significa a tendência para o envelhecimento da população, embora as perspectivas de futuro sejam também discutidas.
         Frederick Wiseman está aqui no pleno uso das suas capacidades criativas, excedendo-se em precisão e rigor num filme que nem sequer atinge duas horas e meia de duração. Depois de grandes filmes analíticos a síntese possível dada a dimensão do meio. Comovente e esclarecedor.

4 mulheres

    "Certan Women" de Kelly Reichardt (2016) é um filme sóbrio e minimal de um nome importante do actual cinema independente americano.
   De construção circular, dá-nos quatro mulheres, uma advogada, uma mãe de família, uma professora e uma criadora de cavalos que se junta às aulas da anterior.       
                      https://i1.wp.com/blazingminds.co.uk/wp-content/uploads/2017/01/Certain-Women-Quad-Poster.jpg?fit=1200%2C901&ssl=1
      Com argumento da cineasta baseado em novela de Maile Meloy, estabelece uma realização que se define em torno de personagens que desdramatizam ou tentam desdramatizar as situações em que se vêem envolvidas: um cliente difícil com uma tomada de refém, a cedência de material para a construção de uma casa, a professora sobrecarregada de trabalho e com longas distâncias a percorrer, a aluna que a perde de vista e a tenta reencontrar no escritório da primeira.
     Num tempo de dificuldades, com a ajuda da netflix, na produção cinematográfica americana, Kelly Reichardt continua a destacar-se com o seu cinema descomprometido mas polémico, que aposta em sentimentos elementares, essencialmente de mulheres neste caso, num filme em que está presente a melancolia. 
    Sem ter que prestar contas a ninguém, é um filme simples e simpático que conta com excelentes interpretações contenção. Inédito comercialmente em Portugal, passou esta semana na Cinemateca Portuguesa.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Discutível

     "À Porta da Eternidade"/"At Eternity's Gate" de Julian Schnabel (2018) é mais um filme sobre Vincent Van Gogh, um artista moderno cuja vida tormentosa contrasta com a sua arte luminosa e por isso  tem chamado a atenção do cinema, nomeadamente em filmes de Vincente Minnelli (1956) e Maurice Pialat (1991).
    Com tudo o que um filme com este respeito é suposto ter nomeadamente a nível de interpretações - Willem Dafoe está notável -, a nível de argumento - de Jean-Claude Carrière, Julian Schnabel e Louise Kugelberg - e a nível técnico - fotografia de Benoît Delhomme, música de Tatiana Lisovkaia e montagem de Louise Kugelberg e Julian Schnabel -, mostra desde o início o propósito de dar o ponto de vista e a subjectividade do pintor, para o que se socorre frequentemente do plano subjectivo, o que está bem, mas também do permanente movimento da câmara, supõe-se que para dar a instabilidade psíquica dele, e essa é uma opção discutível e que a meu ver funciona mal.
    Trata-se de uma pura opção do cineasta, uma opção do realizador, que pretendendo ser audaciosa retira força à personagem de quem nada nos diz que a subjectividade fosse aquela e assim influenciasse a sua criatividade turbulenta, e enfraquece o filme porque obriga o espectador a acompanhar um movimento constante e gratuito da câmara.                  
                      
   E a figura de Van Gogh merecia um outro respeito, ele que no filme diz que pinta a luz do sol, pinta para não pensar e pinta para o futuro, o que constitui uma boa síntese da sua modernidade efectivamente solar, instintiva e difícil de aceitar para o seu próprio tempo, pelos seus contemporâneos.
   Tirando esta objecção de peso, "À Porta da Eternidade" de Julian Schnabel tem um bom trabalho sobre a escala dos planos, do grande plano - e no campo contra-campo a câmara está geralmente fixa, o que está bem - ao plano geral da paisagem rural, o que porém não oculta a imprecisão do espaço, tornado fluido e escorregadio em obediência a um propósito que se compreende mas não se concorda seja levado a este extremo até porque prejudica a percepção do espectador.
   Os outros actores estão todos muito bem - Oscar Isaac como Paul Gauguin, Rupert Friend como Theo Van Gogh, Mads Mikkelsen como padre, Mathieu Amalric como dr. Paul Gachet e Emmanuelle Seigner como madame Ginoux. Mas a questão não passa por aí.
   Com a preocupação de audácia e novidade, a meu ver Julian Schnabel prejudica o seu filme mais do que o beneficia. Mas percebo que possa haver quem goste. O que tornará este filme pelo menos discutível.

sábado, 16 de fevereiro de 2019

Um príncipe

    Actor para Wim Wenders ("O Amigo Americano"/"Der amerikanische Freund", 1977) e Eric Rohmer ("A Marquesa d'O"/"Die Marquise von O...", 1976), Bruno Ganz (1941-2019) foi o príncipe dos actores europeus, de uma distinção característica e de uma grande qualidade, o que fez dele um preferido de todos. Regressou a Wenders em "As Asas do Desejo"/"Der Himmel über Berlin" (1987) e "Tão Longe, Tão Perto"/"In Weite Ferne, so nah!" (1993), que lhe deram fama como anjo.   
     Mas trabalhou também com Werner Herzog, Peter Handke, Claude Goretta, Alain Tanner e Theo Angelopoulos entre muitos outros. Teve depois uma carreira internacional notável em que fez de tudo, Saint-Ex, Hitler, Freud.
                    
    Sem palavras neste momento, recordo aqui que ele fez de diabo no último filme de Lars von Trier, "A Casa de Jack"/"The House Thaat Jack Built" (2018) - ver "A casa dos mortos", de 12 de Janeiro de 2019.
    Parte significativa do melhor do cinema dos últimos cinquenta anos tem a marca indelével da sua presença. Aqui lhe presto por isso a minha sentida homenagem.

3 super-heróis

  "Glass", de M. Night Shyamalan (2018), representa o regresso do cineasta depois de "A Visita"/"The Visit" (2015) e "Fragmentado"/"Split" (2016) agora com um orçamento maior, o que se nota na qualidade do filme.
    Com argumento do próprio Shyamalan, tem personagens conhecidas dos seus filmes anteriores, David Dunn/Bruce Willis e Elijah Price/Samuel L. Jackson provenientes de "O Protegido"/"Unbreakable" (2000), Kevin Wendell Crumb e os seus duplos/James McAvoy, proveniente do filme anterior, "Fragmentado". Todos são internados num hospital psiquiátrico por se julgarem super-heróis, os últimos também por crimes cometidos. E cada um deles tem o seu duplo, a mãe de Elijah, o filho de David e a vítima de Kevin.
    No hospital têm de lidar com a psiquiatra, Drª. Ellie Staple/Sarah Paulson, mas também uns com os outros. Os dois primeiros, David e Elijah, são sucessivamente operados ao cérebro e Elijah foge com o auxílio de Kevin com planos extravagantes. Mas o centro das atenções são de facto estes últimos, que em si mesmos concentram as forças do mal.
                      
     Mas há que chamar a atenção para o raciocínio de David baseado na cor, para os feixes de luz sobre Kevin, para a importância da banda desenhada americana e da sua história, para os flashes do passado de cada um dos três - o que permite mostrar excertos inéditos de "O Protegido" - mas também da própria psiquiatra sobre o presente.
    Como observa justamente Jean-Philippe Tissé nos Cahiers du Cinéma deste mês num artigo notável, "La dispute", Elijah, o que não entra no jogo de realidade de Ellie Staple, representa um princípio de imaginação, enquanto os outros dois morrem porque são vencidos pelo princípio da realidade.   
     Não sei se o final é o melhor mas é o que existe e justifica-se. O plano final, esse, é de facto magnífico. Mas o que me surpreendeu mais foi a excelente realização de M. Night Shyamalan, de regresso aos seus melhores tempos, com um tratamento notável do campo-contracampo e do sistema de vigilância vídeo instalado no hospital.
    "Glass" deve ser visto como mais um episódio de diversas narrativas, ao jeito da série B e do filme de terror, o que é bom porque é bem aproveitado. Tem fotografia de Mike Gioulakis, música de Blu Murray e Luke France Ciarrocchi e montagem de West Dylan Thordson. (Sobre Shyamalan ver "A horda", de 22 de Outubro de 2017.)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

A boa pergunta

   Na esteira do fim da filosofia anunciado por Heidegger, tem surgido a pergunta "o que é a filosofia?", cuja pertinência Gilles Deleuza colocava já no final dos seus escritos sobre cinema no lugar do baziniano "o que é o cinema?"
   O próprio Deleuze respondeu-lhe com Félix Guattari num dos seus últimos livros, felizmente traduzido em português (Lisboa: Presença, 1992), que dá a resposta deles que é preciso conhecer. Agora é Giorgio Agamben quem, numa altura em que concluiu já a notável série "Homo Sacer" (1995-2014), vem relançar a questão num novo livro de 2016, com edição francesa em 2018 (Paris: Galilée).
   É bom lembrar que este livro replica a interrogação do filósofo italiano do dispositivo e do contemporâneo. E perguntar o que é significa também na resposta dizer o que não é - dispositivo, contemporâneo, agora a filosofia.
                                  14.27_26_Giorgio Agamben_Coragem pensamento desespero
      A resposta dele é de uma grande argúcia e sabedoria, pois parte da Jacques Derrida para nos reconduzir à palavra em si e ao dizível dos estóicos a partir de discutidas fontes gregas que também a qualificam como "música suprema". Não há grandes dúvidas quanto ao lugar cimeiro que ele ocupa na filosofia contemporânea, pelo que este seu livro é especialmente aconselhável.
      Este um livro escrito para o nosso tempo, pelo que a edição portuguesa não deve tardar. Não é preciso ser Sherlock Holmes nem o recurso à semiótica de Peirce revista por Umberto Eco para perceber onde reside a causa da crise moral do nosso tempo. A ignorância nunca fez bem a ninguém.
                                          Páginas Esquecidas
      Em Portugal a filosofia não é uma prioridade no ensino nem na edição, pese embora a merecida e oportuna publicação dos inéditos e dispersos de Agostinho da Silva pela Quetzal: "Páginas esquecidas", com edição de Helena Briosa e Mota, que vivamente aconselho. Por isso mesmo é mais importante a actividade de reflexão e tradução de Fernanda Bernardo a partir da Universidade de Coimbra. 
       E na filosofia tudo é pensado, da ciência à técnica, do direito à história, da arte à própria filosofia. Dela nasceram por separação outras disciplinas como a teologia. Influenciada pelo seu próprio tempo, com recurso à sua história também o influenciou e pode continuar a influenciar.
                                          Como Derrubar Trump e Outros Ensaios
       Na filosofia como no mais há também os fenómenos de popularidade, nomeadamente na filosofia política, como é o caso do lacaniano-marxista Slavoj Zizek, cujo livro mais recente, "Como Derrotar Trump e Outros Ensaios" (Lisboa: Relógio d'Água, 2018) também aconselho.
       A partir das suas premissas ideológicas, este filósofo tem animado o debate internacional sobre o estado do mundo em termos informados e acessíveis, no que reside o seu mérito principal.

A resposta de saber

    Considerado por muitos o mais importante filósofo da primeira metade do século XX, Martin Heidegger viu desde cedo pesar contra si a acusação de cumplicidade com o nazismo ao defendê-lo e ao defender o anti-semitismo.
    Mau grado isso, e apesar de a sua obra decisiva, "Ser e Tempo"/"Sein und Zeit", não estar disponível em português, ele tem sido alvo de interesse e estudo por parte de filósofos portugueses movidos pela importância da sua reflexão sobre o Ser.
     Saiu o ano passado em português "Estudos sobre Heidegger", de Mafalda Faria Blanc (Lisboa: Guerra &  Paz), professora catedrática jubilada da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, autora jde uma já extensa bibliografia filosófica. Aí o filósofo alemão encontra a reflexão que o que escreveu merece em termos de aprofundamento e de divulgação. Mesmo a ligação dele ao  nazismo é referida, embora brevemente.
     Também com data do ano passado acabou de sair na Palimage, de Coimbra, "Derrida lecteur de Heidegger (après les cahiers noirs)", de Cristina de Peretti, Michel Lisse, Jean-Luc Nancy e Fernanda Bernardo, que estabelece o diálogo entre Heiddegger e Jacques Derrida seu leitor. Ora nesta obra cada um dos participantes vai muito mais longe na revelação do filósofo alemão como filósofo do nazismo e do anti-semitismo, mas também rebate as acusações feitas contra o filósofo francês de aceitação das ideias dele.
                                     Derrida Lecteur de Heidegger (après les Cahiers noirs)
     Devo aqui salientar o importante papel de Fernanda Bernardo, professora de filosofia contemporânea da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, na tradução e no estudo da filosofia francesa, num trabalho de grande fôlego e longo alcance. Aqui ela dedica um texto longo à crítica ética de Émmanuel Levinas do nazismo e do anti-semitismo em Heidegger-
        Por intermédio quanto mais não seja do diálogo que com ele mantiveram e mantêm filósofos europeus, a filosofia de Martin Heidegger - criticada em vida dele também por Hannah Arendt, sua discípula - permaneceu mesmo depois da sua morte. Os seus defensores foram, contudo, desastrados, como mostram os autores de "Derrida lecteur de Heidegger".
       Claro que os Cahiers noirs, publicados a partir de 2014, vieram relançar as questões de Heidegger, e a seu propósito se estabelece o diálogo neste livro no meio filosófico europeu - que se alarga ao meio filosófico americano, que tinha recebido a sua influência por intermédio do debate europeu e das visitas dos seus nomes mais importantes a universidades americanas.
      O que aqui me traz neste momento é a oportunidade deste debate e do conhecimento do filósofo do nazismo, numa altura em que como nacionalismos ou populismos ou explicitamente como neo-nazismo alguma das suas ideias ressurgem, quando se poderia pensar terem sido esquecidas.
                                      Estudos Sobre Heidegger
       Derrida esclarecia que falava dele subentendendo a sua própria rejeição do nazismo, o que esperava fosse também o caso dos seus leitores. Hoje não podemos saber quem e como os lê a um e ao outro e não podemos ter ilusões de que se tratará de um debate meramente filosófico.
       Por sua vez, os "Estudos sobre Heidegger" de Mafalda Faria Blanc ajudam a penetrar no universo temático e filosófico do autor de uma forma qualificada, escalpelizando a sua obra nos seus aspectos mais importante na reflexão sobre o Ser, de uma ontologia a uma escatologia, sempre a partir do pensamento grego antigo. Por isso aqui aconselho este livro aos eventuais interessados.
        Em "Derrida lecteur de Heidegger" sublinho a chamada de Jean-Luc Nancy para o sentimento na área filosófica e para ligação desta com a poesia. Na entrevista a António Guerreiro publicada no nº 4 da revista Electra, o escritor, cineasta e ensaista alemão Alexander Kluge, herdeiro da Escola de Frankfurt, faz a mesma chamada para a importância do sentimento na actualidade em qualquer área da criação e do pensamento.
      O filme "Luz Obscura" de Susana Sousa Dias (2017) constitui um excelente exemplo da convocação do sentimento no cinema, com os depoimentos de Álvaro, Isabel e Rui  Pato sobre os tempos do Estado Novo e sobre a sua família, perseguida, presa, torturada e morta pela PIDE, a polícia política de um regime que defendia a família.
                      Imagem do filme «Luz Obscura», de Susana Sousa Dias.
      Com recurso ao arquivo, a estética austera e rigorosa do filme permite que nos concentremos com comoção e perguntas deixadas para o futuro no que aí é dito e para o qual não há desculpa ou escapatória possível. 
     Longe de ter posto fim à filosofia, como ele pretendia, Martin Heidegger relançou-a a partir de novas propostas, entre as quais a superação da metafísica - o que não significa a rasura dos anteriores estudos sobre ela desde Aristóteles. 
      Em filosofia não se admitem exclusões e mesmo o actual pensamento crítico não se dispensa de conhecer e citar Heidegger, justamente porque o pensamento dele tem reflexões novas e audaciosas que é preciso conhecer. Foi o caso de Jacques Derrida que, para lá de qualquer simpatia pelas suas ideias, partiu da filosofia de Heidegger para a sua desconstrução. E Derrida é considerado o mais importante filósofo da segunda metade do século XX.
     Há uns anos tinha já sido publicado "Arte e Técnica em Heidegger", de Irene Borges-Duarte (Lisboa: Documenta, 2014), professora associada da Universidade de Évora, que de uma forma mais especializada dava conta do interesse actual pelo filósofo de Friburgo. Aí a resposta ao fim da filosofia com Heidegger era a criação. O que constitui uma proposta bem interessante para continuar.

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Certidão de nascimento

   "Cafarnaum"/"Kapharnaüm" é a terceira longa-metragem da libanesa Nadine Labaki (2018), que se tinha estreado no cinema com "Caramel"/"Sukkar banat" (2007). Sem deixar de se ocupar das mulheres, centra-se especialmente num miúdo com idade provável de 12 anos, Zain/Zain Al Rafeea.
   Antes da introdução da cena base do filme, no tribunal, o filme apresenta um grupo de refugiadas, entre as quais uma etíope, Rahil/Yordanos Shiferaw. No tribunal, depois de lhe serem retiradas as algemas ele diz querer processar os pais por o terem feito nascer. A partir daí contam-se as razões desta atitude.
   Os pais dele, Souad/Kawsar Al Haddad e Selin/Fadi Youssef, deram em casamento ao filho de um homem rico a irmã de Zain, Sahar/Haita 'Cedda' Izzam, que tem onze anos e era a companhia dele. A família pobre, que vive em condições muito precárias, lucra com o negócio. 
                      Capharnaüm: Tackling child abuse in Lebanon through film
      Numa segunda parte acompanhamos o protagonista que deambula sozinho por ruas e ruelas pobres enquanto tenta fazer pela vida e que encontra num autocarro o homem-barata. Numa terceira parte ele toma conta da criança de Rahil enquanto ela trabalha e até ela não voltar.
      Na última parte ele sabe da morte da irmã e vende a criança. Com o dinheiro recebido prepara-se para sair do país.
      Dada em sumário a narrativa do filme é esta, com muita barafunda, conflitos e tareias que Zain leva da mãe. No presente, em tribunal cada um procura apresentar as suas  razões. O final feliz, com a nova gravidez de Souad, o reencontro de mãe e filho etíopes e a fotografia de Zain para a certidão de nascimento, é uma imposição de melodrama que não impede a catarse num belo e intransigente filme dramático.
     Este um novo trabalho muito bom de Nadine Labaki, também argumentista, com fotografia de Christopher Aoun, música de Khaled Mouzanar e montagem de Konstantin Bock. Não vejo nenhuma razão paara que quem gosta de "Ladrões de Bicicletas"/"Ladri di biciclette", de Vittorio de Sica (1948) não goste deste filme.

Primeiro filme

    "Ixcanul" é a primeira longa do guatemalteco Jayro Bustamante (2015), um filme muito bom com argumento seu e interpretado por não-profissionais com grande significado e perfeição.
    Um casal de índios Maya com uma filha de 17 anos trabalha numa plantação de café ao filho de cujo proprietário a jovem Maria é prometida em casamento. Mas ela prefere-lhe outro, Pepe, que vai partir para os Estados Unidos. Tudo na proximidade de um vulcão.    
                      2015-08-30 20_36_08-Ixcanul - Trailer Oficial (ESP) - YouTube
    Grávida, é-lhes dito no hospital, a ela e aos pais com o noivo prometido como intérprete que a criança nasceu morta, o que se vem a revelar falso com implicações graves em elipse. Já com os inquiridores da estatística eles tinham tido que utilizar uma intérprete infiel.
    María Mercedes Coroy, María Telón, Manuel Antún, Justo Lorenzo e Marvin Coroy contam-se entre os intérpretes muito bons deste excelente filme com excepcional composição visual, do grande plano e do plano de pormenor ao plano geral muito expressivo e expositivo, e também sonora. Com fotografia de Luis Armando Arteaga, música de Pascual Reyes e montagem de Cesar Dias.
    Um filme de grande significado humano e artístico passado entre gente marginalizada e pobre, mas com as suas crenças e práticas ancestrais, num país pobre. Um daqueles países contra cujos habitantes em migração querem erguer um muro na fronteira sul dos Estados Unidos.
    Estas coisas, que são importantes no cinema, porque bem feitas e inspiradas na realidade, importantes na vida do cinema e no nosso conhecimento, só me chegam no Arte

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Distâncias

    O mais recente filme do franco-tunisino Abdellatif Kechiche, "Mektoub, My Love: Canto Uno" (2017), o primeiro de uma anuncida trilogia livremente inspirada no romance "La Blessure, la Vrai" de François Bégaudeau, é um filme surpreendente por várias razões. 
    O argumento é do realizador e Gahlia Lacroix e tem cinco personagens centrais, todas jovens: Amin/Shain Boumedine, fotógrafo e candidadto a argumentista, Ophélie/Ophélie Bau que tem o noivo longe, nas guerras da época, há quatro anos mas se entende com Tony/Salim Kechiouche, de quem Charlotte/AlexiaChardard gosta, e Céline/Lou Lotiau livre mas receptiva. O local é Sète, no sul de França, o ano 1994 e o meio a comunidade tunisina em França.
    Não me preocupam o meio, a localização, nem sequer as personagens, que vivem os amores próprios da sua idade com um vigor meridional, mas a distância temporal a que o filme se coloca, o que torna tudo mais claro pensando-se na idade que as personagens terão agora, e uma outra distância, que é encurtada, a da câmara aos actores.      
                       Alexia Chardard, Lou Luttiau, Shaïn Boumedine, Salim Kechiouche dans "Mektoub My Love : Canto Uno" d'Abdellatif Kechiche
     Claro que o entrecho é telenovelesco mas o certo é que Abdellatif Kechiche constrói o seu filme com base em cenas maioritariamente longas em vários planos e com movimentos de câmara mas mantendo por regra a câmara próxima dos rostos dos seus actores. Muito expressivos e volúveis, estes chamam a atenção sobre as personagens num primeiro grau que a planificação reforça. Encurtadas as distâncias tudo se torna flutuante na sua sucessão rápida.
     A comunidade tunisina no sul de França idealiza Paris, as relações entre os cinco complicam-se e transformam-se ao sol quente do sul e com a desajuda dos mais velhos, enquanto  os corpos se mantêm próximos uns dos outros e brilham ao sol. Mas há ainda uma outra distância a assinalar que é a proximidade da natureza, no rebanho do pai de Olphélie que Amin, que a quer fotografar a ela, fotografa.
     A duração do filme parece-me excessiva mas a fotografia de Marco Graziaplena e a montagem de Nathanaëlle Gerbaux e Maria Giménez Cavallo permitem criar ritmo e rimas que o equilibram em simetria. Mas as distâncias temporal e física são aqui fundamentais, por exemplo entre a proximidade de Ophélie e Tony no início e apenas Amin e Charlotte sós e juntos na praia no final.
     Depois de "A Vida de Adèle"/"La vie d'Adèle" (2013), este filme faz todo o sentido na obra de Abdellatif Kechiche, que continua a ser um cineasta a acompanhar com atenção.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Exasperação

   "Avisem os Espartanos"/"Go Tell the Spartans" de Ted Post (1978), realizador americano que desde os anos 50 trabalhou sobretudo para televisão mas fez alguns bons filmes para cinema, como "À Sombra da Forca"/"Hang 'Em High" (1968) e "Harry, Detective em Acção"/"Magnum Force" (1973), ambos como Clint Eastwood, é um dos primeiros filmes sobre a Guerra do Vietnam, do mesmo ano de "O Caçador"/"The Deer Hunter" de Michael Cimino e do ano anterior a "Apocalypse Now" de Francis Ford Coppola.
   Foi agora retirado do esquecimento em que caíra juntamente com o cineasta, produto de uma série B tardia, pelo Arte, que o mostrou esta semana e revela-se um filme com força contida e bem feito. Decorre em 1963, quando chegam ao Vietnam os "conselheiros técnicos" americanos e se dão as primeiras escaramuças, ainda com a memória recente do desastre francês na Indochina na década anterior.
                       Go Tell the Spartans
    Um major que coxeia, Asa Barker/Burt Lancaster, tem de conduzir o seu grupo de homens inexperientes e um guia local a um posto avançado estratégico por entre ardis e armadilhas. Para cumprir a sua missão, o major precisa de apoio aéreo, que obtém, para pouco depois lhe ser ordenada a retirada. Aqueles que ficam, entre os quais Asa Barker, são todos dizimados excepto um deles, que irá dizer aos espartanos que aqueles homens resistiram até ao fim, como reza a placa deixada pelos franceses.
   Feito com economia de meios em estilo clássico, este um filme bastante bom que recorda os inícios da presença americana, quando não se sonhava ainda com o desfecho de uma Guerra que se haveria de tornar fatal para as forças americanas
  Tem argumento de Wendell Mayes, baseado em novela de Daniel Ford, fotografia de Harry Stradling Jr., música de Dick Halligan e montagem de Millie Moore. Com as suas limitações, é um bom filme sobre um assunto que o cinema americano tratou sobretudo depois do fim da guerra. Nele exemplarmente a coragem transmuta-se em exasperação final.
   Deste modo, o Arte continua a cumprir com eficiência o papel de uma boa cinemateca europeia.

domingo, 3 de fevereiro de 2019

Culpado

    Com argumento de Nick Schenk baseado num artigo de Sam Dolnick no The New York Times, "Correio de Droga"/"The Mule" de Clint Eastwood (2018) é um belo filme sério e dramático que brinca com o seu protagonista, Earl Stone/C. E (a descoberta da carga do seu carro, a garrafa térmica que mais tarde deixa para trás), o qual tenta ironizar com os outros numa situação que ele descobre afinal grave.
    Correio de droga para um cartel mexicano liderado por Laton/Andy Garcia, ele é um velho só que falhou na sua vida familiar e não tem mais a que se agarrar, e esse lado solitário e abandonado da personagem está muito bem dado pelo actor, conquanto mesmo com isso o realizador ironize. Depois de falhadas a filha e a neta, ele apenas chega a tempo da morte da sua mulher, Mary/Dianne Wiest, de quem ouve ainda as últimas palavras sobre amor e dor.
    Falso melodrama, depois de uma aturada perseguição policial liderada por Colin Bates/Bradley Cooper "Correio de Droga" resolve-se como melodrama quando em tribunal o protagonista se apresenta como culpado. Para acabar a fazer jardinagem na prisão como fazia fora dela no início. Eastwood está perfeito como Earl Stone, rude e simples homem do passado que consegue impor-se a si próprio e aos outros apesar de preso e condenado.         
                     
      Há um desprendimento e um modo de auto-ironia no cineasta-actor que o caracteriza e lhe fica bem neste filme que é o seu melhor desde "Sniper Americano"/"American Sniper" (2014). Reconhecido o fracasso do protagonista como homem de família há que preservar-lhe a dignidade como fora da lei, o que é plenamente conseguido, mesmo se à custa da minimização de outras personagens, tornadas meramente funcionais.
      E é muito bem visto ele interpretar neste filme um homem perseguido pela lei por um tráfico de que ele acaba por ter conhecimento e que não larga, o que lhe confere uma densidade dramática a que o actor acrescenta dignidade interior. Sem compadecimentos lacrimejantes, ele volta aqui ao fundo do fracasso e da dor.
      O filme conta com fotografia de Yves Belanger, música de Arturo Sandoval e montagem de Joel Cox. Noto que Clint Eastwood, o grande clássico americano da actualidade, dirigiu e interpretou este filme com uma idade invulgar mesmo entre os grandes nomes do cinema clássico americano.