O mais destacado poeta português da actualidade, Fernado Echevarría tem uma vasta obra até "Via Analítica" (Porto: Afrontamento, 2018), que inclui os dois volumes de "Obra Inacabada", com Prefácio de Maria João Reynaud (Porto: Afrontamento, 2016). Com livros de grande qualidade e profundidade, a sua poesia encontra a filosofia de uma forma imediata e meditada.
Sempre voltado para o novo mesmo se a partir de perspectivas antigas, o seu verbo poético avança em ondas sucessivas e tudo de humano, animal, mineral e vegetal de forma elementar investe para nos ser entregue numa escrita decantada que nos devolve cada parte, cada partícula e o todo de tudo.
"O HORIZONTE LEVA O MAR CONSIGO.
Mas para onde é que o leva?
Sente-se só seu ímpeto subindo
por uma imprevisível atmosfera
a abrir-se para cálculos e signos.
Ou língua a anunciar aquela terra
de novidade em que ouvirmos
é mar remoto, com o horizonte em festa.
Terra e festa adunados no escrito
pensando em pausa. Esta fecunda espera
que, enquanto cresce, vai alargando o espírito
e a enfunação pacífica das velas.
Punge-se tudo agora no ouvido.
Na pauta analítica em que a terra
entra em fulgor. Se vai nele abstraindo
de mar ao longe e longa inteligência."
("Via Analítica", pág. 282)
Na sua poesia a língua portuguesa enrola-se e desenrola-se numa estimulante reflexão em que os elementos encontram o elementar para exponenciar o verbo em vagas sucessivas, que em consonante harmonia desenredam um sentido que ressalta inteiro das próprias palavras que o criam.
"O HORIZONTE LEVA O MAR CONSIGO.
Mas para onde é que o leva?
Sente-se só seu ímpeto subindo
por uma imprevisível atmosfera
a abrir-se para cálculos e signos.
Ou língua a anunciar aquela terra
de novidade em que ouvirmos
é mar remoto, com o horizonte em festa.
Terra e festa adunados no escrito
pensando em pausa. Esta fecunda espera
que, enquanto cresce, vai alargando o espírito
e a enfunação pacífica das velas.
Punge-se tudo agora no ouvido.
Na pauta analítica em que a terra
entra em fulgor. Se vai nele abstraindo
de mar ao longe e longa inteligência."
("Via Analítica", pág. 282)
Na sua poesia a língua portuguesa enrola-se e desenrola-se numa estimulante reflexão em que os elementos encontram o elementar para exponenciar o verbo em vagas sucessivas, que em consonante harmonia desenredam um sentido que ressalta inteiro das próprias palavras que o criam.
Também com formação filosófica, Rui Nunes é um escritor de prosa poética cerrada, que inventa o mundo e os seres, os ambientes e os objectos de forma minuciosa, sem enfeites nem alardes nem palavras inúteis, reduzidas ao essencial. O seu último livro, "Suíte e Fúria" (Lisboa: Relógio D'Água, 2018), confirma-o como o melhor escritor português da actualidade.
Na sua escrita rica e sugestiva ele examina em pormenor o homem do nosso tempo nos seus trabalhos e meios, olhares, ouvidos e sentimentos, perplexo e acabrunhado num horizonte alargado que se concentra em espaços e tempos precisos, se bem que alusivos. Deste modo, a construção de cada livro é em grande parte deixada ao leitor atento, que por vislumbres intermitentes dele se aproxima.
"Foram somente três passos, mas o dia explodiu.
Até que ponto um crisântemo? Essa flor. Repleta da paciência e da minúcia de um
aguarelista, de um desenhador?
Finda a obra, está a morte: a mão afasta-se, imobiliza-se a quinze centímetros do
papel, e a morte surge, plena, no crisântemo acabado:
Os suicidas precipitam-se para os museus."
("Suíte e Fúria", pág. 51)
"A intensidade do que vejo aproxima-me da morte. Ver: é total. Com os braços, as mãos, a pele, o nariz, o cabelo: todo o meu corpo vê. Mesmo com os olhos fechados. Mesmo que não queira. E rodeia-me do irremediável do que vê."
("Suíte e Fúria", pág. 63)
Numa construção diacrónica, o emissor da palavra remete para o passado, para a memória em que em última análise reside a raiz de tudo, infância de agora velhos ensombrecidos pela idade, pelo tempo, até aos ossos do pensamento. Dispensando o inútil e o indesejado, retém o indispensável em côrregos do dizer.
Cada um deles constrói um pensamento próprio, em qualquer dos casos de carácter filosófico, sobre aquilo que escreve e descreve, ilumina mesmo na noite ou na sombra os parcelares aspectos da vida que pouco a pouco vai criando e trazendo à luz. E esse percurso da sombra para a luz é comum aos dois.
Agora Fernando Echevarría caminha de ponto em ponto, passo a passo por um caminho espinhoso mas de que se desprende uma grande, secreta beleza, enquanto em Rui Nunes é sempre tudo escuro e sem salvação e nem mesmo a sua escrita procura encantar mas aprofundar e desafiar para caminhos incomuns. E em qualquer deles o sentir não impede, antes impele o pensar.
Na sua longa caminhada pela poesia portuguesa, Fernando Echevarría vai elaborando uma filosofia pessoal que assim transmite, com visíveis influências, aos que ao lerem-no a descobrem. Não expansivo, o poeta oculta-se nas dobras das suas obras que desocultam o mundo em que vive e vivemos para tentar aceder uma essência elementar
Já Rui Nunes procura através da luz o que se esconde na sombra e aí permanece depois de ter chegado aos sentidos do leitor, sem salvação ou remissão mas com momentos de remissão para a toalidade, como rasto do vivo e do vivido. A filosofia que constrói conduz ao conhecimento, ao sofrimento, à indignação na sua complexidade elementar preservada e sem receio de dizer duas vezes, como vozes diversas.
A grandeza de um e do outro reside em fazer-nos deter nas palavras de um discurso contínuo mas não corrente, em que cada palavra conta para uma decifração nem sempre fácil de que estabalece linhas, traços e pontos, embora favoreça a clareza. Sem linearidade mas vindo de dentro, o discurso e cada palavra precisa, aquela e não outra não por acaso, em vocabulários ricos e variados.
Depois de ter conhecido escritores de grande pendor filosofante, o que nem sempre o leitor aceita com facilidade - como Fernando Pessoa, Jorge de Sena, Agustina Bessa-Luís, José Saramago e Maria Gabriela Llansol - a literatura portuguesa, poesia e prosa, encontra nestes dois escritores vivos a inspiração e o saber, da escrita e do pensamento, que aliados num só escritor aumentam a sua dimensão literária.
E as palavras de um não afastam as do outro nem com a dele se confundem, em rotas pessoais que, com poucos pontos comuns, talvez só no infinito se encontrem para nossa perplexidade e nosso alívio. Por mim, que sou contra a uniformidade de pensamento, clássicos e modernos os leio e amo aos dois e aos dois aqui aconselho.
"Foram somente três passos, mas o dia explodiu.
Até que ponto um crisântemo? Essa flor. Repleta da paciência e da minúcia de um
aguarelista, de um desenhador?
Finda a obra, está a morte: a mão afasta-se, imobiliza-se a quinze centímetros do
papel, e a morte surge, plena, no crisântemo acabado:
Os suicidas precipitam-se para os museus."
("Suíte e Fúria", pág. 51)
"A intensidade do que vejo aproxima-me da morte. Ver: é total. Com os braços, as mãos, a pele, o nariz, o cabelo: todo o meu corpo vê. Mesmo com os olhos fechados. Mesmo que não queira. E rodeia-me do irremediável do que vê."
("Suíte e Fúria", pág. 63)
Numa construção diacrónica, o emissor da palavra remete para o passado, para a memória em que em última análise reside a raiz de tudo, infância de agora velhos ensombrecidos pela idade, pelo tempo, até aos ossos do pensamento. Dispensando o inútil e o indesejado, retém o indispensável em côrregos do dizer.
Cada um deles constrói um pensamento próprio, em qualquer dos casos de carácter filosófico, sobre aquilo que escreve e descreve, ilumina mesmo na noite ou na sombra os parcelares aspectos da vida que pouco a pouco vai criando e trazendo à luz. E esse percurso da sombra para a luz é comum aos dois.
Agora Fernando Echevarría caminha de ponto em ponto, passo a passo por um caminho espinhoso mas de que se desprende uma grande, secreta beleza, enquanto em Rui Nunes é sempre tudo escuro e sem salvação e nem mesmo a sua escrita procura encantar mas aprofundar e desafiar para caminhos incomuns. E em qualquer deles o sentir não impede, antes impele o pensar.
Na sua longa caminhada pela poesia portuguesa, Fernando Echevarría vai elaborando uma filosofia pessoal que assim transmite, com visíveis influências, aos que ao lerem-no a descobrem. Não expansivo, o poeta oculta-se nas dobras das suas obras que desocultam o mundo em que vive e vivemos para tentar aceder uma essência elementar
Já Rui Nunes procura através da luz o que se esconde na sombra e aí permanece depois de ter chegado aos sentidos do leitor, sem salvação ou remissão mas com momentos de remissão para a toalidade, como rasto do vivo e do vivido. A filosofia que constrói conduz ao conhecimento, ao sofrimento, à indignação na sua complexidade elementar preservada e sem receio de dizer duas vezes, como vozes diversas.
A grandeza de um e do outro reside em fazer-nos deter nas palavras de um discurso contínuo mas não corrente, em que cada palavra conta para uma decifração nem sempre fácil de que estabalece linhas, traços e pontos, embora favoreça a clareza. Sem linearidade mas vindo de dentro, o discurso e cada palavra precisa, aquela e não outra não por acaso, em vocabulários ricos e variados.
Depois de ter conhecido escritores de grande pendor filosofante, o que nem sempre o leitor aceita com facilidade - como Fernando Pessoa, Jorge de Sena, Agustina Bessa-Luís, José Saramago e Maria Gabriela Llansol - a literatura portuguesa, poesia e prosa, encontra nestes dois escritores vivos a inspiração e o saber, da escrita e do pensamento, que aliados num só escritor aumentam a sua dimensão literária.
E as palavras de um não afastam as do outro nem com a dele se confundem, em rotas pessoais que, com poucos pontos comuns, talvez só no infinito se encontrem para nossa perplexidade e nosso alívio. Por mim, que sou contra a uniformidade de pensamento, clássicos e modernos os leio e amo aos dois e aos dois aqui aconselho.
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