Daniel Mendelsohn é um professor universitário de cultura clássica e escritor, ensaísta, tradutor (de
C. P. Cavafy) e crítico norte-americano parcialmente traduzido em português, de que comecei por ler, como me acontece, o último livro, "Uma Odisseia: Um Pai, Um Filho e Uma Epopeia" (Lisboa: Elsinore, 2018), e agora estou a ler os livros mais antigos.
A sua escrita é fascinante porque, exaustiva, espraiada, se baseia na realidade com alguns ajustamentos, nomeadamente na identificação de personagens, e porque a sua vasta e abrangente cultura parte de gregos e latinos e vai até à actualidade. E a realidade que nos seus livros está em causa é a sua, pessoal, e da sua família, como exemplarmente também acontece no seu anterior "Os Desaparecidos - À Procura de Seis em Seis Milhões" (Lisboa: Dom Quixote, 2009)".
Os seus livros são assim sobre história, sobre cultura, sobre filosofia da história e filosofia da cultura, nomeadamente da própria literatura, e não são grandemente prejudicados pelas traduções portuguesas, entre o regular e o muito bom. A sua escrita tranquila e perfeita passa assim sem problemas de maior, em especial no seu livro mais recente.
Girando à volta de conflitos bélicos do passado - a Guerra de Tróia, a II Guerra Mundial - procura encontrar a sua origem na descrição e no estudo de casos individualizados, partindo do texto histórico, das memórias familiares ou mais frequentemente de ambos. Embora ele próprio explique que aquilo é apenas o que de facto sucedeu.
Em "Uma Odisseia" opta por uma narrativa no presente, de um seminário por si leccionado e que foi frequentado pelo seu pai como mais um aluno, o que lhe permite introduzir logo aí o elemento pessoal que se rebate sobre a narrativa épica antiga, uma referência literária e cultural que estuda e comenta confrontando-a com a experiência da II Guerra Mundial do seu pai.
Já em "Os Desaparecidos" põe em cena a sua família, partindo de si próprio e dos seus irmãos e irmã para tentar saber ao certo o que e como aconteceu a antepassados mortos pelos nazis, o que o leva a rebuscar a história da família ao longo dos últimos séculos na Europa. E aqui a referência literária persiste na Bíblia hebraica, sobre a violência individual e na história.
Dando a distância na proximidade e a proximidade na distância, na sua escrita minuciosa o autor joga com o espaço e o tempo de uma maneira superior, tornando o passado e longínquo próximos e, por meio disso, o presente e próximo estranhos, sempre com apoio em outros textos literários que, introduzindo a diacronia convocam a distância e abrem o caminho à reflexão e à filosofia da literatura e da história.
Em especial os avanços e recuos na narrativa são acompanhados por uma cronologia sólida e encontram justificação no que no presente acontece ao narrador, num procedimento muito bem explorado que implica histórias dentro de outra história, com circulação de personagens, opiniões, memórias e recordações.
A escrita muito pessoal, precisa, faz com que os livros de Daniel Mendelsohn se situem ao mais alto nível literário, assertivo e coloquial simultaneamente, e também reflexivo, num processo que replica as outras artes, incluindo o cinema, no seu melhor e também a filosofia na busca da origem e significado de palavras e expressões antigas.
Original e desmedido, tudo acaba por fluir na realidade e na literatura convocada contra a expectativa do narrador diegético e do leitor, fulminado por o dito narrador ser identificado com o próprio autor, que assim vai aperfeiçoando o seu (e nosso) conhecimento da vida, dos outros, dos textos e de si mesmo. E nos melhora.
Passando parte da narrativa para diferentes personagens e para a discussão com elas, o autor escreve como um fole, fechando e abrindo o curso da narrativa de forma inesperada mas sempre lógica e justificadamente, indo da psicologia ao sentimento, da dúvida à emoção. E ao rebuscar no passado não cessa de rasgar horizontes contra aquilo que alguns ainda hoje negam
Pouco conhecido e pouco falado em Portugal, Daniel Mendelsohn já recebeu nos Estados Unidos as maiores distinções literárias e destaca-se na literatura americana contemporânea, atravessando um momento de alguma evidência mesmo depois da morte de Philip Roth, devido ao seu método original e muito conseguido, à sua escrita e à grande
pertinência dos assuntos tratados.
Às vezes lembra Marcel Proust, outras as narrativas autobiográficas mais conseguidas de Amos Oz ("Uma História de Amor e Trevas" - Lisboa: Presença, 2007) e Orhan Pamuk ("Istambul: Memórias de Uma Cidade" - Lisboa, Presença, 2008) na sua pesquisa da verdade de um texto como da verdade da história. Encarada em casos individuais que remetem para o colectivo, a história é assim repensada à distância de modo a colocar-nos no seu interior, a familiarizar-nos com aqueles que a viveram nos textos estudados e na vida real.
Apaixonado pelo melhor de literatura norte-americana desde a minha juventude, em que até Jorge de Sena traduzia Ernest Hemingway e William Faulkner, assim actualizo o meu conhecimento dela com um autor que sem reservas aqui aconselho e seria grave não conhecer, membro da American Academy of Arts and Sciences e da American Philosophical Association.
"Do mesmo modo, para ter uma verdadeira noção da preciosidade das vidas que foram salvas, é necessário ter uma noção absoluta do horror de que foram tão miraculosamente preservadas." (Os Desaparecidos", pág. 179 da edição portuguesa).
Os seus livros são assim sobre história, sobre cultura, sobre filosofia da história e filosofia da cultura, nomeadamente da própria literatura, e não são grandemente prejudicados pelas traduções portuguesas, entre o regular e o muito bom. A sua escrita tranquila e perfeita passa assim sem problemas de maior, em especial no seu livro mais recente.
Girando à volta de conflitos bélicos do passado - a Guerra de Tróia, a II Guerra Mundial - procura encontrar a sua origem na descrição e no estudo de casos individualizados, partindo do texto histórico, das memórias familiares ou mais frequentemente de ambos. Embora ele próprio explique que aquilo é apenas o que de facto sucedeu.
Em "Uma Odisseia" opta por uma narrativa no presente, de um seminário por si leccionado e que foi frequentado pelo seu pai como mais um aluno, o que lhe permite introduzir logo aí o elemento pessoal que se rebate sobre a narrativa épica antiga, uma referência literária e cultural que estuda e comenta confrontando-a com a experiência da II Guerra Mundial do seu pai.
Já em "Os Desaparecidos" põe em cena a sua família, partindo de si próprio e dos seus irmãos e irmã para tentar saber ao certo o que e como aconteceu a antepassados mortos pelos nazis, o que o leva a rebuscar a história da família ao longo dos últimos séculos na Europa. E aqui a referência literária persiste na Bíblia hebraica, sobre a violência individual e na história.
Dando a distância na proximidade e a proximidade na distância, na sua escrita minuciosa o autor joga com o espaço e o tempo de uma maneira superior, tornando o passado e longínquo próximos e, por meio disso, o presente e próximo estranhos, sempre com apoio em outros textos literários que, introduzindo a diacronia convocam a distância e abrem o caminho à reflexão e à filosofia da literatura e da história.
Em especial os avanços e recuos na narrativa são acompanhados por uma cronologia sólida e encontram justificação no que no presente acontece ao narrador, num procedimento muito bem explorado que implica histórias dentro de outra história, com circulação de personagens, opiniões, memórias e recordações.
A escrita muito pessoal, precisa, faz com que os livros de Daniel Mendelsohn se situem ao mais alto nível literário, assertivo e coloquial simultaneamente, e também reflexivo, num processo que replica as outras artes, incluindo o cinema, no seu melhor e também a filosofia na busca da origem e significado de palavras e expressões antigas.
Original e desmedido, tudo acaba por fluir na realidade e na literatura convocada contra a expectativa do narrador diegético e do leitor, fulminado por o dito narrador ser identificado com o próprio autor, que assim vai aperfeiçoando o seu (e nosso) conhecimento da vida, dos outros, dos textos e de si mesmo. E nos melhora.
Passando parte da narrativa para diferentes personagens e para a discussão com elas, o autor escreve como um fole, fechando e abrindo o curso da narrativa de forma inesperada mas sempre lógica e justificadamente, indo da psicologia ao sentimento, da dúvida à emoção. E ao rebuscar no passado não cessa de rasgar horizontes contra aquilo que alguns ainda hoje negam
Pouco conhecido e pouco falado em Portugal, Daniel Mendelsohn já recebeu nos Estados Unidos as maiores distinções literárias e destaca-se na literatura americana contemporânea, atravessando um momento de alguma evidência mesmo depois da morte de Philip Roth, devido ao seu método original e muito conseguido, à sua escrita e à grande
pertinência dos assuntos tratados.
Às vezes lembra Marcel Proust, outras as narrativas autobiográficas mais conseguidas de Amos Oz ("Uma História de Amor e Trevas" - Lisboa: Presença, 2007) e Orhan Pamuk ("Istambul: Memórias de Uma Cidade" - Lisboa, Presença, 2008) na sua pesquisa da verdade de um texto como da verdade da história. Encarada em casos individuais que remetem para o colectivo, a história é assim repensada à distância de modo a colocar-nos no seu interior, a familiarizar-nos com aqueles que a viveram nos textos estudados e na vida real.
Apaixonado pelo melhor de literatura norte-americana desde a minha juventude, em que até Jorge de Sena traduzia Ernest Hemingway e William Faulkner, assim actualizo o meu conhecimento dela com um autor que sem reservas aqui aconselho e seria grave não conhecer, membro da American Academy of Arts and Sciences e da American Philosophical Association.
"Do mesmo modo, para ter uma verdadeira noção da preciosidade das vidas que foram salvas, é necessário ter uma noção absoluta do horror de que foram tão miraculosamente preservadas." (Os Desaparecidos", pág. 179 da edição portuguesa).
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