Pablo Larrain é o chileno de quem este momento se fala no cinema e cujos filmes é preciso ver. Vi o seu "Neruda" (2016) e embora reconhecendo os seus limites apreciei.
Pablo Neruda (1904-1973) foi um dos maiores poetas do século XX, Nobel da Literatura em 1971, politicamente comunista o que lhe trouxe dissabores vários parte dos quais, os sucedidos em 1948, o filme relata. De forma inteligente, o narrador do filme, o polícia que o persegue, surge como fantasma ou mesmo criação sua, o que o torna especialmente interessante, enquanto o protagonista é reduzido a um retrato conforme e bem comportado.
É bem visto o regresso do realizador à história recente do seu país, de que Neruda foi parte ideclinável, uma vez que Pablo Larrain conhece o Chile muito bem e sabe perceber-lhe os meandros exteriores (um jovem tenente chamado Pinochet como guarda de um campo de concentração no final dos anos 40) e interiores (o herói e o seu duplo) como poucos outros saberão.
Sobre este polícia de segunda que não quer ser personagem secundária paira a sombra de Roberto Bolaño (1953-2003), o grande escritor chileno precocemente desaparecido que naturalmente teria por si próprio ido aqui muito mais longe. Mas não importa, o argumento de Guillermo Calderón é muito bom e a realização sabe usá-lo de forma correcta, escorreita e feliz.
"Neruda" acaba por ser o filme da sombra, Óscar Pelluchonneau/Gael Garcia Bernal em mais uma grande interpretação, enquanto Luis Gnecco no protagonista e Mercedes Morán como Delia del Carril, a sua mulher de então, cumprem exemplarmente as personagens tipificadas, no limite do estereótipo que lhes cabem num elenco sem falhas.
Morrer na neve deve ser o sonho de qualquer polícia e aí ao cumprir-se eventual desejo Óscar sobe a lenda, para mais capaz de, como personagem de ficção, poder sobreviver a si próprio - é um bocado forçado mas funciona. E que perseguidor e perseguido nunca se cheguem a encontrar salvo, à distância, no final na neve está muito bem estabelecido em termos narrativos e em termos cinematográficos.
Ao grande poeta era dedicado "O Carteiro de Pablo Neruda"/"Il postino", de Michael Redford (1994), com Philippe Noiret no papel do título e Massimo Troisi como "o carteiro", um filme de enorme e merecido sucesso embora este "Neruda" de Pablo Larrain seja melhor. Os seus limites decorrem de, não pretendendo apresentar-se como biopic, acabar por também o ser, com Paris, o exílio, Pablo Picasso e tudo.
Na minha diáspora antiga, o meu conhecimento da poesia de Neruda, como o de Shakespeare ou Lorca por exemplo, é desde o início no original (nunca tive curiosidade de conhecer as traduções, mesmo as de grandes poetas portugueses), mas espero que este filme desperte a atenção dos espectadores para ele - dizem-me muito bem das suas traduções portugueses, que aconselho sem reservas.
Já agora virá a propósito perguntarmo-nos porque será que os ditadores e as ditaduras não gostam dos poetas e dos artistas salvo quando os podem controlar em seu próprio benefício.
Já agora virá a propósito perguntarmo-nos porque será que os ditadores e as ditaduras não gostam dos poetas e dos artistas salvo quando os podem controlar em seu próprio benefício.
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