"O Vale do Amor"/"Valley of Love", do francês Guillaume Nicloux (2015), é uma filme não inocente sobre a morte. Pai e mãe, Gérard/Gérard Depardieu e Isabelle/Isabelle Huppert, deslocam-se expressamente ao Vale da Morte, na Califórnia, em resposta ao convite que lhes foi feito pelo filho de ambos, Michael, que apesar de ter morrido ali lhes marca encontro. Para uma questão estranha personagens bizarras e actores de peso.
O filme começa por acompanhá-la a ela em travelling para a frente, à chegada, a ele segue-o em travelling para frente, primeiro, para trás depois quando ouve gritos do quarto dela, para a partir dela e do seu ponto de vista acompanhar o regresso de um vulto desfocado e por isso indistinto do fundo do campo, que podia ser o filho mas é o pai, no final. Também argumentista, o realizador dispersa apontamentos laterais ao longo do filme - a velha senhora, o casal de fanáticos, os cães, vivos e mortos - que sinalizam o percurso pessoal do ex-casal.
Ela tem dificuldades de comunicação pelo telemóvel, ele tem um cancro para confessar, e em termos pessoais cada um deles tem a sua personalidade problemática própria. Unia-os e une-os o filho desaparecido que por carta os convocou para um encontro post-mortem algures ao longo de um percurso desenhado num mapa de sete locais no deserto.
Sem
cair no filme americano de almas do outro mundo, Guillaume Nocloux
deixa piscadelas de olho mais do que suficientes ao cinema americano num
filme em que toma a América como o território outro, estranho aos
protagonistas e por isso neutro, em que eles a pretexto do filho se
encontram e desencontram um ao outro. A eventual comparência do filho morto deixa marcas nas pernas dela e nos braços dele.
Mesmo que se queira descartar "Vale do Amor" como uma menoridade inconsequente, pelo mistério do filme, pela realização e pelo trabalho dos actores não se pode ignorá-lo na sua exploração de um espaço enorme em que as personagens como num labirinto se perdem. Naquele espaço aqueles dois encontram a morte na figura ausente e invisível do filho morto e nos traços que, além do eventual encontro com Gérard, ele deixa.
E ao assumirem-se sem máscaras Huppert e Depardieu mostram-se tal como são, actores míticos que se entregam a personagens que criam e tornam verdadeiras. Como se tivessem cada um deles de provar o que efectivamente valem, o talento que têm, eles, que já haviam contracenado em "Lolou", de Maurice Pialat (1980), lembram Jean Gabin e Michèle Morgan, Yves Montand e Simone Signoret como pares míticos do cinema francês.
Quanto a Guillaume Nicloux percebe-se que quando ele se aplica a sério, como em "La religiueuse" (2013) - um território pelo qual Jacques Rivette andou nos anos 60 - e neste "O Vale do Amor", em que trabalha o visível, os espaços entre e o espaço invisível, é um cineasta de grande valor.
O cinema tem ainda destas surpresas vindas de quem não seriam de esperar que nos ajudam a viver em tempos de míngua do grande cinema que elas acabam por começar a recordar. O grande cinema no seu melhor de controlo da fascinação e de abertura de espaço para a intervenção do espectador.
Quanto a Guillaume Nicloux percebe-se que quando ele se aplica a sério, como em "La religiueuse" (2013) - um território pelo qual Jacques Rivette andou nos anos 60 - e neste "O Vale do Amor", em que trabalha o visível, os espaços entre e o espaço invisível, é um cineasta de grande valor.
O cinema tem ainda destas surpresas vindas de quem não seriam de esperar que nos ajudam a viver em tempos de míngua do grande cinema que elas acabam por começar a recordar. O grande cinema no seu melhor de controlo da fascinação e de abertura de espaço para a intervenção do espectador.
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