"Paula Rego: Histórias & Segredos", realizado pelo seu filho Nick Willing (2016), é um filme fundamental porque lhe dá a palavra a ela própria, aos filhos e amigos, de modo que acrescenta conhecimento útil sobre ela e a sua personalidade complexa e sobre a sua obra que é menos simples do que eventualmente possa parecer.
De facto, aí ela consente em falar com o seu filho e para o filme dele sem limitações, o que completado pelos filmes de família permite traçar um retrato completo e compósito sobre as épocas da sua vida e as fases da sua obra atravessadas por um sentimento pessoal que lhes dá, quadro a quadro, sentido.
A sua timidez, as suas dúvidas, a sua tendência depressiva mas também os diferentes episódios, dramáticos, da sua vida, nomeadamente a sua relação com o marido, o também pintor Victor Willing (1928-1988), com a sua família em Portugal, em especial com o pai, e com o meio e o mercado da arte, ditos por ela assumem uma verdade que os torna indissociáveis da sua obra, em que os seus quadros dizem de si própria mais do que os filhos ou os amigos podem dizer sobre ela.
Com uma exposição muito importante na Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais, o filme do Nick tem o mérito especial de nos permitir olhar de uma nova forma, como se pela primeira vez, para a obra da Paula: sentida, sofrida, pessoal, verdadeira e com recurso às histórias e ao imaginário. Num documentário interactivo em que a voz e os fados de Amália são muito apropriadamente usados.
Quem puder dizer que foi do seu tempo tem uma obrigação especial de nela e na sua obra se reconhecer e o reconhecer, a esse tempo que é também agora. A sua ligação ao corpo, ao seu próprio e ao dos outros/as, é axial, como já sabíamos, por motivos que se prendem com a sua própria experiência da vida, o que o recurso a narrativas conhecidas permite transfigurar.
Ao dar-lhe a palavra hoje e incluir imagens suas e da família, mas também durante o trabalho - atenção aos momentos em que ela usa o espelho - "Paula Rego: Histórias & Segredos" é um documentário invulgar sobre arte que a propósito desta, a dela, chega onde os comuns documentários sobre arte e artistas com o intuito da divulgação não costumam chegar.
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