"The Family"/"Jia", de Shumin Liu (2015), é o primeiro filme deste prestigiado director de fotografia chinês, distinguido com diversos prémios, entre os quais do IndieLisboa. Só agora o pude ver e é de facto singularmente belo e especialmente interessante.
Um casal de septuagenários, Liu/Lijie Liu e Deng/Shoufang Deng, que vive no interior com uma filha divorciada, Lqiin/Liqin Huang, e com um neto, Pengpeng/Zepeng Liao, filho desta, que pretende decorar a sua nova casa e arranjar novo marido, parte para as cidades longínquas onde viivem a outra filha, Xiaomin/Xiaomin Liu, casada e com uma filha, Pingping/Erya Chen, e o filho Xufun/Xufun Liu, casado e sem filhos.
Partindo das premissas de "Viagem a Tóquio"/"Tôkiô monogatari", de Yasujiro Ozu (1953), filme que já inspirara a João Botelho "Um Adeus Português" (1986), o objectivo da viagem do casal é tentar obter apoio financeiro para o projecto doméstico da filha mais velha junto dos seus dois imãos. O que é pretexto para os visitar, talvez pela última vez, e para com eles restabelecer o contacto no quotidiano. A Xufun pedem mais um neto e é nesta parte, em Shanghai, que decorrem os momentos mais curiosos do filme, dos jogos de cartas à narrativa por Deng do seu encontro com Liu, no final dos anos 60, e do nascimento dos filhos. O que motiva uma última viagem à Cidade do Sul, onde começaram a viver juntos e onde a saúde dele, canceroso, se agrava.
Adoptando uma estética de plano fixo e longo, que vem de Ozu mas também de Jia Zhang-ke e de Wang Bing, Shumin Liu demora-se especialmente nas personagens femininas e, não ingénuo, não se inibe de, por vezes, estabelecer breves cortes que reduzem a exploração temporal de cada momento. Trabalhando com não-profissionais, o cineasta tira deles o melhor proveito em espontaneidade e improvisação. E cita expressamente o mencionado filme de Ozu pelo menos na cena dos elásticos e da agulha, junto ao caminho-de-ferro.
Há nesta última viagem de um casal idoso um cuidado, uma preocupação com os filhos e o seu bem-estar que faz o encanto deste filme longo e de facto muito bom que, com um bom tratamento do fora de campo e da arquitectura, vem de novo confirmar a evidência do melhor do cinema chinês contemporâneo a partir de um quotidiano comum e comezinho.
O cineasta, também argumentista, director de fotografia e responsável pela montagem, coloca por vezes a câmara um pouco acima das personagens e alterna planos médios e aproximados com planos gerais que permitem uma situação delas no meio geográfico e urbano da China moderna. O final, depois do regresso a casa, é fulminante e não choca a não ser por contraste, antes situa simbolicamente aquele casal num tempo que já não é o dele.
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