segunda-feira, 3 de junho de 2019

SOPHIA

      Nome do saber em grego, Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) foi a poetisa portuguesa mais importante do século XX e um dos maiores nomes de toda a poesia portuguesa e europeia. Comemoram-se agora 100 anos do seu nascimento.
       Natural do Porto, aí conviveu com os grandes nomes da cultura e da literatura portuguesa do seu tempo, como Eugénio de Andrade e Agustina Bessa-Luís, num tempo em que Portugal vivia sob o jugo salazarista contra o qual alguns dos melhores, entre os quais ela, resistiram. 
       Limpída e inteira na sua poesia, que depois dos primeiros poemas de 1940 começou a publicar em 1944, nela se oferecia no que mais apreciava do mundo com uma sensibilidade apurada. Sem constrangimentos, que não suportava, no que escrevia nos revelava o mundo, que desdobrava para nós numa comunicação poética pessoal e afectuosa. De olhos secos.
                                        Wook.pt - O Nu na Antiguidade Clássica | Antologia de Poemas sobre a Grécia e Roma
       Comecei a lê-la cedo, quando era publicada pela Ática e pela Moraes Editora, e não deixei de a seguir através da sua arte poética e depois de O Cristo Cigano, do Livro Sexto e de Geografia, incluídas as suas "artes poéticas" O seu português filigranado acolhia uma sensibilidade terrestre e luminosa, mediterrânica e marínha, atenta a tudo como Reiner Maria Rilke, que me faz lembrar.
      Ainda hoje, diria que sobretudo hoje é fundamental conhecê-la, quanto mais não seja através das diversas publicações da sua "obra poética". Em prosa destaco os seus contos para crianças e o clássico "O Nu na Antiguidade Clássica"", agora reeditado com uma antologia de poemas seus sobre a Grécia e a Roma antigas. Aproveitem. Isto sem esquecer o seu teatro, os seus ensaios e as suas traduções - Eurípedes, Shakespeare, Claudel, Dante e, para o francês, de alguns poetas portugueses.
       O que ainda hoje mais me emociona e motiva, o que mais aprecio na poesia encontro-o inteiro e intacto, palavra a palavra, som a som na poesia dela. Por isso aqui a recordo como poetisa e como lutadora política.
                                 

"A minha vida é o mar o abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita

Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará

Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento

A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto

Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento

E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada"


   Muito do melhor que aprendi na vida foi com a poesia dela que o aprendi. A beleza e o que ela significa e esconde. Como abordar o mundo e estar na vida. Como viver cada dia como se fosse o último, como saborear o convívio com a morte. Como enfrentar a descoberta do que não sabemos.
   Que a passagem do centenário do seu nascimento, homenageando-a, desperte a curiosidade dos mais novos são os votos que aqui deixo espressos. Eu vou continuar a lê-la e a procurá-la nos poetas mais novos. Ela é muito boa para impedir o esmorecimento ou o adormecimento pois nos transmite, decantada, a vida sem nos dar a paz.
   (O que desconcerta quem não me conhece e me espera entre a boquilha da Natália e o cachimbo do David, bons poetas sem dúvida, é encontrar-me em poesia acima de tudo em Sena, Sophia, Herberto e no outro que era muitos - a seguir em Pessanha, Oliveira, Fiama e Belo, todos depois de Luís Vaz.)

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