"Manchester by the Sea", a terceira longa-metragem de Kenneth Lonergan (2016), é um filme que não se identifica com o comum cinema americano porque trata do quotidiano sem afirmar a superioridade de ninguém, antes trabalha a tristeza, a impotência e o fracasso.
Com argumento do próprio realizador, o filme acompanha Lee Chandler/Casey Afflec, um pobre porteiro de Boston, a grande cidade onde apesar de tudo vive uma vida de lugares-comuns, até à pequena terra do Massachussets com o nome do título onde, após a morte do seu irmão, Joe Chandler/Kyle Chandler, lhe foi por este deixado o encargo de tratar do sobrinho Patrick/Ben O'Brien.
Uma vez aceite, a viagem torna-se motivo para as recordações que àquela terra ligavam o protagonista, e aí percebemos bem quanto de amargura e sofrimento o acompanhou enquanto ali viveu: o que deixou para trás, nomeadamente em termos de tragédia e sofrimento - havia um terceiro irmão -, como não lhe restava grande alternativa senão partir dali tal como não lhe resta outra solução, pese embora o esboço de um final aberto, que recusar o encargo que lhe foi cometido no presente.
É uma vida de impasses que se torna pesadelo que leva Lee a progressivamente tomar consciência de que também aquele novo papel que lhe é destinado não está ao seu alcance cumprir. E é a reflexão sobre a incapacidade, a falta de condições pessoais que leva o protagonista a reconhecer não reunir condições para tal.
O filme passa muito pela interpretação de Casey Afflec, pela fotografia de Jody Lee Lipes, a música de Lesley Barber (embora um tanto excessiva), a montagem de Jennifer Lame, actores sempre certos e bem dirigidos e sobretudo a realização equilibrada e justa que compõe planos e sequências separados bem definidos. De tal forma que há neste "Manchester by the Sea", nos seus cerrados flash-backs estruturais que tecem um passado que explica o presente alguma coisa que nos repele no seu percurso doloroso, desesperado.
Estamos habituados pela produção hollywoodiana a ser confrontados com heróis positivos, másculos e dinâmicos, que se afirmam virilmente nas situações mais complicadas de que saem vitoriosos. Ora este filme, virilidade incluída dá-nos uma vida de doloroso fracasso existencial a que já não estamos habituados no cinema. Aí o filme de Kenneth Lonergan faz mancha, estabelece o contraste e afirma o seu espaço próprio ao fazer lembrar "Magnolia", de Paul Thomas Anderson (1999) sem o mosaico de personagens e narrativo.
Ao escavar sempre no mesmo sentido realizador e actor oferecem-nos um filme que por uma vez vale por aquilo que é e não pelo que quer parecer. A felicidade só existe mesmo no cinema. "Manchester by the Sea" é um filme triste em que Lee Chandler me faz lembrar os iludidos e fracassados do filme negro, o género típico em que eles existiram - como John Cassavetes em "Contrato para Matar"/"The Killers", de Don Siegel (1964), a partir de conto de Ernest Hemingway que já motivara "Assassinos"/"The Killers", de Robert Siokmak (1946): para ele, para eles, embora esperem sozinhos no mesmo sítio o passado não perdoa.
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