O mais recente filme do veterano (quem diria?) Steven Spielberg, "The Post" (2017), é um filme muito bom, mais uma prova exuberante do seu talento e da sua mestria. Num momento difícil para a América, coloca-a perante a sua própria imagem no passado recente, sem contemplações mas também sem pessimismo.
Centrado na divulgação pela grande imprensa americana de relatórios secretos do Pentágono sobre a Indochina e a Guerra do Vietname desde a administração Truman, acompanha os homens do Washington Post que, com o seu editor Ben Bradley/Tom Hanks, chegaram atrasados em relação ao The New York Times a um caso suscitado pelo analista militar Daniel Ellsberg/Matthew Rhys, como é mostrado logo no início do filme, o que os prejudicou mas também acabou por beneficiar.
O lugar principal acaba por ser o de Kay Graham/Meryl Streep, accionista do jornal que, ao dar o seu consentimento ao prosseguimento da divulgação pelo Post dos relatórios secretos, põe em jogo uma posição financeira maioritária e uma venda contra o seu amigo Robert McNamara/Bruce Greenwood, Secretário da Defesa de Kennedy e Johnson, e contra os conselhos amigos de Fritz Beebe/Tracy Letts, entre outros. E a questão das "amizades políticas" está muito bem tratada e ultrapassada, corria o primeiro mandato de Richard Nixon, no início dos anos 70.
Mas Spielberg aponta alto neste seu filme político, pois em termos de realização convoca repetidamente "O Mundo a Seus Pés"/"Citizen Kane" de Orson Welles (1941). Mesmo sem exceder as remissões da mise en scène, com plongés e contra-plongés a propósito, nomeadamente em escadas, um grande-plano sobre a câmara solto, fica bem ao cineastra recordar o filme fundador do cinema moderno americano, que era também sobre jornalismo e política.
De resto, com a participação dos seus colaboradores habituais na fotografia, Janusz Kaminski, na música, John Williams, e na montagem, Michael Kahn e Sarah Brosher, sobre argumento de Liz Hannah e Josh Singer a realização é muito boa, pendular entre os protagonistas mas seguindo atentamente os jornalista que seguem a pista do relatório já divulgado parcialmente, com destaque para Ben Bogdikian/Bob Odenkirk, para o divulgar o mais completamente possível.
Com o Times paralisado, cabe ao Post prosseguir o mesmo caso, a mesma causa. Com um final empolgante, em corrida contra o tempo enquanto se espera a decisão do Supremo Tribunal, o desfecho optimista não se consuma sem abrir a porta para o caso seguinte, o Watergate, que mereceu a Alan J. Pakula "Os Homens do Presidente"/"All the President's Men" (1976).
Agora o maior destaque vai para a grande interpretação de Meyl Streep no seu primeiro trabalho com o cineasta, que a confirma como a mais importante actriz americana do seu e nosso tempo. Tom Hanks, actor habitual do realizador, está sóbrio e contido. Aliás todo o cast é impecável, participando do sucesso artístico do filme.
É claro que é a liberdade de imprensa que aqui está em causa, esteio sólido da democracia americana neste caso como nos nossos dias. Ao fazer o seu trabalho ela não ofende senão os que a tal se proporcionaram, na política como no espectáculo. Doa a quem doer. Defendida por Steven Spielberg com toda a pertinência num filme memorável e muito recomendável.
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