terça-feira, 26 de junho de 2018

O que faltava

   Martin Rejtman é considerado o fundador do cinema novo argentino, em que terá precedido Lucrecia Martel, Lisandro Alonso e Pablo Trapero na longa-metragem. Não conhecia nada dele e a retrospectiva da Cinemateca Portiguesa do final da semana passada permitiu-me preencher essa lacuna.
    De uma cinematografia conhecida sobretudo por Leopoldo Torre-Nilsson na segunda metade do século XX, o cineasta, trouxe um rejuvenescimento muito oportuno a partir de 1992, depois de ter feito a sua formação nos Estados Unidos, com filmes pessoais e insólitos, com muitos diálogos, humor e sentido do absurdo. Diz-se ele influenciado pela screwball comedy americana dos anos 30 e 40, nomeadamente de Howard Hawks e Preston Sturges, mas o meio familiar em que cada um dos seus filmes se desenvolve remete para o universo de Yasujiro Ozu.
                     
    Ora em volta de motorizadas como em "Rapado" (1992), de um nome comum a duas personagens como em "Silvia Prieto" (1999), de automóveis ou luvas como em "Los  guantes mágicos" (2003), cada um dos filmes de Martin Rejiman parte de um ponto que depois abandona para a ele regressar mais tarde, como em "Dos disparos" (2014), ou só encontra o seu motivo temático passada uma hora com personagens que sofrem de depressões "emocionais" ou "orgânicas", como em "Los guantes mágicos", e conclui-se sempre de forma inesperada. Outra constante é a voz off narrativa de uma das personagens, o que confere um cariz narrativo e estético próprio aos seus filmes.      
    Numa obra escassa, merecem especial atenção as duas médias-metragens feitas para a televisão, "Copacabana" (2007), sobre imigrantes bolivianos na Argentina, e "Entrenamento elemental para actores" (2009), sobre aulas de formação de actores para crianças, que explicitam a ideia de ritmo que percorre também as longas. Um ritmo que advém das palavras, dos diálogos, mas também de uma montagem marcada que implica a duração justa de cada plano e o ritmo do todo, que a irrupção da música de discoteca amplia em estrépito.         
                       TwoShotsFired
    Mas os  próprios planos têm uma riqueza de composição notável, centrados na figura humana expectante ou disposta para o diálogo, de pé ou sentada, num espaço cenográfico muito bem preenchido, o que faz com que as transições de plano surjam sempre muito bem calculadas e executadas, cada uma delas chamando pelo seu contrário, que a própria voz off acompanha, mesmo se com atraso. E a crise, também económica, da sociedade argentina, está sempre presente.
    Pelo tom directo e seco, elíptico, e pelos assuntos que trata, embora diferente faz-me lembrar o português Manuel Mozos. Pelo que pude ver, Martin Rejtman, que trabalha sempre sobre argumentos seus e por vezes também a partir de livros seus, é, efectivamente, um dos grandes cineastas da actualidade, que está à altura da sua geração no cinema novo argentino e vale a pena conhecer.    

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