Baseado
no romance "Seara de Vento", de Manuel da Fonseca, escritor típico do
neo-realismo português de quem já Luís Filipe Rocha tinha adaptado
"Cerromaior" (1981), o mais recente filme de longa-metragem de Sérgio
Tréfaut, "Raiva" (2017), é uma obra séria e exigente que traz de novo o
cineasta de origem brasileira para lugar de destaque.
Num preto e branco com a assinatura de Acácio de Almeida, o cineasta
parte de uma adaptação sua para contar a história dos que nasceram
pobres e hão-de morrer pobres face aos que nasceram ricos e hão-de
morrer ricos, mítica do Alentejo durante o Estado Novo.
Com grandes actores nos papéis principais - Sergi López, Isabel Ruth,
Leonor Silveira, Catarina Wallenstein - e secundários - Diogo Dória,
Luís Miguel Cintra, Herman José, José Pinto, Adriano Luz -, o filme
decorre com planos fechados e grandes-planos, sobretudo de Amanda e Júlia e de Palma/Hugo Bentes, que contrastam com alguns planos gerais que situam geograficamente. Em planos de pormenor surgem três animais e de vez em quando ouve-se o vento.
Sem música que não seja a diegética, o cante dos Mineiros de Aljustrel, e um Ave Maria de
Schubert feminino e desafinado, pelo seu dispositivo visual "Raiva" não
convoca a grande proximidade, que a escala dos planos e a narrativa por
si mesmas chamariam, devido à fotografia trabalhada com grande apuro
que, com alguns cenários, convoca uma certa artificialidade, mesmo
teatralidade.
O cineasta afasta-se, assim, de uma estética do neo-realismo no
cinema, que poderia parecer uma primeira opção mas é hoje em dia
datada, preferindo-lhe uma leitura actual da narrativa e da época,
subjectiva e conseguida. E o prólogo com algumas cores constitui um
pequeno e importante segmento introdutório, cujo fogo se prolonga ao
longo do filme.
Apesar de passar por uma facilidade de casting geradora de curiosidade junto das audiências, o uso de grandes actores em pequenos papéis não chega a comprometer num filme que consegue uma unidade e um equilíbrio apreciáveis.
Apesar de passar por uma facilidade de casting geradora de curiosidade junto das audiências, o uso de grandes actores em pequenos papéis não chega a comprometer num filme que consegue uma unidade e um equilíbrio apreciáveis.
A proximidade que me parece pertinente é entre este filme e "Vidas
Secas", do brasileiro Nelson Pereira dos Santos (1962), baseado no
romance de Graciliano Ramos, o que a proximidade entre o Nordeste
brasileiro e o Alentejo português durante o Estado Novo e a afinidade
estética justifica. Apesar de todas as diferenças que a mais de 50 anos
de distância, nos dois contextos estéticos e nos próprios filmes, são visíveis.
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