sábado, 10 de novembro de 2018

Sem ilusões

   "Fahrenheit "11/9" é o mais recente filme do documentarista americano Michael Moore (2018), em réplica ao seu anterior "Fahrenheit 9/11" (2004), indispensável para compreender a América actual sob a presidência de Donald Trump, eleito devido a circunstâncias infelizes do sistema político do país.
   O seu mérito maior reside em não se circunscrever à eleição e à presidência de Trump mas dar-lhe o contexto americano em tons crus e realistas, nomeadamente com o recurso à situação anterior da terra natal do realizador, também argumentista e produtor, Flint, Michigan, caso escandaloso de governo por um outro milionário. Nesse e noutros casos percebe-se bem a aberração de um sistema que permite e até favorece a escolha eleitoral não dos melhores mas dos mais ricos, dispostos a tudo para exercer o poder em benefício próprio e dos seus iguais.
  Mas com cumplicidades e repercussões internacionais, o caso Trump está muito bem apresentado como o de uma presidência disruptora tanto interna como internacionalmente, com ameaça para toda a humanidade em alguns casos enquanto põe em causa o respeito por elementares direitos humanos internamente.
                      UNITED STRAITS From sea to shining sea, Moore checks in with ordinary Americans who report feeling hosed like never before.
    Além disso este filme mostra como o actual partido democrata mereceu perder as últimas presidenciais e continua sem alternativas válidas para oferecer, enquanto na juventude parece residir o inconformismo propício a uma mudança.
    A parte final do filme sobrepõe a actualidade americana à ascenção do nazismo, nos anos 30 do século XX, no que faz muito bem ao carregar os traços daquilo que a alguns pode parecer inofensivo mas não é, contrariamente ao diagnóstico de pós-fascismo dos filósofos italianos que António Guerreiro citou no Ipsílon da semana passada.
    Essencial para os próprios americanos que julgam que o seu país se resume a um reality show, "Fahrenheit 11/9" de Michael Moore ajuda-nos a todos a compreender a actualidade, sem falsas esperanças nem ilusões, indo assim ao encontro das previsões que vêm sendo feitas por Slavoj Zizek entre outros. Tudo muito claro e bem documentado, orientado pelo comentário do cineasta sem preocupação de ser "artístico".
  Perante indiferença generalizada, prolonga-se uma situação inaceitável que as eleições intercalares desta semana vieram consolidar. E o inaceitável alastra a outros pontos do globo sem que se veja disposição para o contrariar e afastar os seus fautores, como numa espiral de ameaça provocadora e muito perigosa que urge combater e afastar.

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