O mais recente filme do austríaco Michael Haneke, "Happy End" (2017), tem também argumento seu e é mais um grande filme deste realizador de referência, com lugar de destaque no cinema contemporâneo.
O segredo do filme é desenrolar-se em Calais, no noroeste de França, onde como se sabe se aglomeram em condições miseráveis refugiados que tentam rumar a Inglaterra. Pois é aí que vivem os Laurent, família abastada e desesperada, com o seu patriarca, Georges/Jean-Louis Trintignant, a filha Anne/Isabelle Huppert e o filho Thomas/Mathieu Kassowitz, a filha do primeiro casamento dele, Eve/Fantine Harduin, e o filho do primeiro casamento dela, Pierre/Franz Rogowski.
A teia que se tece entre eles é dramática e odiosa, com o mais velho, senil, a procurar a morte por todos os meios, Anne ocupada com os negócios da empresa familiar, com o filho e o noivo, Lawrence Bradshaw/Toby Jones, Thomas em transição do seu segundo casamento para uma nova amante, Eve perplexa e Pierre revoltado.
A realidade mais do que a ideia de morte que atravessa todo o filme é a de uma morte auto-inflingida, por suicídio ou eutanásia, e em cada personagem se percebe um desespero agudo em alheamento total em relação ao que acontece ao seu lado, na "selva de Calais" e Pierre traz para o segundo casamento da mãe. Pela televisão chegam notícias de "cenas da luta de classes" do outro lado do Canal da Mancha.
Sufoca-se neste filme de horrores, que segundo André Dias no nº 2 da nova revista Electra "...é mais seu prenúncio que denúncia, é o cinema de extrema-direita; mesmo que esta nele não se reveja" ("A sobrevivência da abjecção", páginas 166-171) num extravasar de abjecção consistente com a obra anterior do cineasta. Na sessão em que assisti ao filme soou da assistência um grito de indignação durante a cena final.
Com fotografia de Christian Berger e montagem de Monika Willi, sem música a não ser diegética este um filme que se desdobra em ruídos, silêncios e palavras, sem dar tréguas ao espectador e sem as permitir às personagens.
Absolutamente indispensável de ver com os olhos bem abertos, lembrando "Os Malditos"/"La caduta degli dei"/"Götterdämmerung", de Luchino Visconti (1969). Para que o prenúncio funcione como aviso.
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