O americano Paul Schrader é mais conhecido por ter sido o argumentista de "Taxi Driver"(1975) e de "A Última Tentação de Cristo"/"The Last Temptation of Christ" (1988) e co-argumentista de "O Touro Enraivecido"/"Raging Bull" (1980), todos de Martin Scorsese, embora no início tenha realizado também bons filmes, como "A Rapariga da Zona Quente"/"Hardcore" (1979), "American Gigolo" (1980), "A Felina"/"Cat People" (1982), remake de Jacques Tourneur, e "Mishima"/"Mishima: A Life in Four Chapters" (1985).
Depois de filmes irregulares, parcialmente falhados ou apenas parcialmente conseguidos, o cineasta, também argumentista, reencontra-se no regresso ao seu melhor com "No Coração da Escuridão"/"First Reformed" (2017), um filme marcado pelo seu livro "Transcendental Style in Film: Ozu, Bresson, Dreyer" (1972, reeditado com nova introdução em 2018) e sobretudo por "Diário de um Pároco de Aldeia"/"Journal d'un curé de campagne", de Robert Bresson, datado de 1950.
De facto, como aí o filme acompanha a escrita do diário (para um ano) do protagonista, o Rev. Ernst Toller/Ethan Hawk, confrontado primeiro com o marido de Mary/Amanda Seyfried, MichaelPhilip Ettinger, militante ambientalista que quer que ela não tenha o filho de que está grávida, o que o faz recordar o seu próprio filho morto na guerra "imoral" do Iraque. A partir daqui e do suicídio de Michael a ideia de morte atravessa todo o filme, atingindo o próprio Tollen.
Em contrapartida, ele rejeita o amor de Esther/Victoria Hill e acaba por ter uma experiência de levitação com Mary enquanto, doente, se prepara para enfrentar o seu superior Rev. Joel Jefferson/Cedric the Entertainer e o poderoso industrial Edward Balq/Michael Gaston, que o patrocina e despreza o que a ciência diz dos efeitos ambientais da sua actividade.
Por intervenção de Mary, Toller abandona primeiro o atentado suicida que preparava com o material recolhido para o efeito por Michael, depois o suicídio, o que confere um final feliz a um filme que levanta a questão do aborto e também os problemas ambientais do planeta em termos de escolha entre a vida e a morte. De modo que esta, a escolha, é o verdadeiro tema do filme.
Com uma realização que aponta para os precedentes acima referidos, nomeadamente com câmara fixa, espaços vazios e fora de campo, "No Coração da Escuridão" tem fotografia de Alexander Dynan, música de Brian Williams e montagem de Benjamin Rodriguez Jr. Aqui Paul Schrader recupera o prestígio e a qualidade iniciais, de que andou afastado a maior parte do tempo, num filme que ecoa claramente o seminal "Taxi Driver". E Ethan Hawk tem mais uma excelente interpretação.
Deixo a nota final de que Thomas Merton (1915-1968), que Ernst Toller lê, foi um monge trapista americano e escritor, que escreveu sobre espiritualidade, ecumenismo, pacifismo e justiça social, cujos livros, muito influentes, foram à época traduzidos para português.
Deixo a nota final de que Thomas Merton (1915-1968), que Ernst Toller lê, foi um monge trapista americano e escritor, que escreveu sobre espiritualidade, ecumenismo, pacifismo e justiça social, cujos livros, muito influentes, foram à época traduzidos para português.
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