terça-feira, 25 de abril de 2017

Um acima do outro

     O cinema japonês é insuficientemente conhecido em Portugal embora o seu melhor nos tenha chegado a partir dos anos 60/70 do século XX, primeiro Kenji Mizoguchi no circuito comercial, depois Yasujiro Ozu na Gulbenkian. Deles se trata aqui.
     Se bem lido, Gilles Deleuze confere ao cinema japonês um lugar muito destacado, embora sem autonomizar uma escola de montagem nipónica no início de "A imagem-movimento", provavelmente por desconhecimento de causa.
     Claro que no pós-guerra se tornaram conhecidos também Akira Kurosawa e Mikio Naruse, que vinha do tempo do mudo, Nagisa Oshima e Shohei Imamura, actualmente Hirokazu Koreeda, Kiyoshy Kurosawa e Takeshi Kitano, que penso nos devia continuar a chegar. 
     E até poderá existir uma estética do cinema japonês que, mais autónoma ou mais influenciada pelo cinema ocidental, nomeadamente americano, os una a todos, do ecrã largo de Naruse ao filme negro de Kitano.
                     
    Ozu é o tempo da vida real entre gerações, com sacrifícios familiares, em planos longos, estáticos ou dinâmicos, em movimento - "Viagem e Tóquio" mais importante que "Viagem em Itália" de Rossellini, com o peso familiar superior ao do milagre do casal. Mizoguchi é o distúrbio dos sexos, a confusão, o sacrifício também, à beira do paroxismo temporal trágico e histórico em interiores e em exteriores - em "O Intendente Sansho"/Sanshô Dayû" exemplarmente.
    O drama e o épico de Akira Kurosawa está ausente de ambos. Num a vida comum, no outro a tragédia declarada. De um lado a companhia solitária  no presente, do outro a solidão acompanhada com um toque de mistério do passado. E algum segredo de espaço e da época poderá explicar os filmes de um, no presente, e do outro, no passado.
    Não há traço comum entre eles, cada um no seu canto, no seu espaço, no seu universo. Um tempo curto e um tempo longo. Um tempo para viver e prosseguir e um tempo para morrer e ressurgir. E há uma verdade tão intensa neste tempo largo, inquietante de Mizoguchi, como uma verdade interpelativa na harmonia, na serenidade do tempo curto, consolador de Ozu.
    Enquanto este enfrentou no final decisivamente a cor aquele fez a maior parte da sua obra a preto e branco. E cada um deles manteve relações com a cultura japonesa, em que ambos ocuparam lugares de grande relevo no século XX.
                    
      Sem estardalhaço mediático, Ozu construiu dos filmes mais sóbrios e eloquentes da história do cinema, enquanto com escândalo mediático Mizoguchi construiu o mistério dos seus filmes. Não minimizo o primeiro, largamente influente no quotidiano elíptico nomeadamente no final da sua obra, mas prefiro o segundo no seu rasgar do destino trágico, impiedoso e imenso.        
      Mizoguchi nasceu em 1898 e morreu em 1956, enquanto Ozu nasceu em em 1903 e morreu em 1963. Ambos começaram no cinema no tempo do mudo e cada um deles no seu tempo se contou - e actualmente se continua a contar - entre os melhores cineastas do mundo, cada qual com a sua filosofia e a sua estética próprias. O plano-sequência teve em cada um dos dois interpretações diferentes, num, Mizoguchi, espacial com travelling, no outro espacio-temporal em plano fixo e baixo.
      À proximidade de gerações de um, Ozu, contrapôs o outro a separação entre as gerações e na mesma geração às proximidades distantes de um, o mesmo, responderam as distâncias próximas do outro. Para mim, um acima do outro, embora reconheça que, mais marcadamente oriental, o que coloco abaixo foi mais influente - em Abbas Kiarostami, nomeadamente por causa da tendência para o plano longo, contemplativo.
     Mesmo se para lhes preferir outros, o que é preciso é conhecê-los bem a estes dois. A um o mistério da forma e da vida, ao outro o mistério do espaço e da morte. E quanto mais se vêem os seus filmes mais nos compreendemos e menos os compreendemos. Com eles é o grande cinema que está em causa e me interessa. Vejam o que puderem e depois decidam.

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