sábado, 24 de novembro de 2018

Teatro épico

      Embora trabalhe como realizador desde 1998, o filipino Lav Diaz só começou a ser conhecido internacionalmente em 2013 com "Norte, the End of History"/"Hangganan ng kasaysayan" e tem-se caracterizado por fazer filmes muito longos. Conheço pouco da sua obra mas vi o seu penúltimo filme, "The Season of the Devil"/"Ang panahon ng halimav" (2018) no Lisbon & Sintra Film Festival deste ano.
     Baseado em personagens e factos reais das Filipinas em 1979, narra os desencontros entre Hugo Haniway/Piolo Pascual e Lorena Haniway/Shaina Magdayo, perseguidos pelos esquadrões da morte do ditador Narciso/Noel Sto. Domingo. Simplesmente, em vez de um método realista puro, o filme tempera-o com palavras cantadas pelas personagens, perseguidores e perseguidos.  
                      
       Daqui resulta uma obra marcada por um certo distanciamento, representando ostensivamente no presente do filme acontecimentos trágicos do passado. Desta forma moderna o cineasta se serve para criar uma obra tanto mais poderosa quanto mais distanciada, encenação do passado na actualidade em filme.
     Com recurso a repetições das mesmas canções, o filme reitera-se e repete-se para maior encantamento e justeza, na exibição da crueldade e da ameaça para persuadir a delação e na apresentação dos pobres perseguidos que esperam que alguém os liberte enquanto a tortura e as mortes se sucedem. Com a presença dos quatro elementos, terra, água, fogo e ar.
       Contando com realização, produção, argumento, fotografia e música de Lav Diaz, "The Season of the Devil" aumenta o seu impacto por usar um rigoroso preto e branco, ter muito escassa música e ser encenado com planos-médios em geral longos e com profundidade de campo, sem se aproximar muito dos seus actores. A estética do filme e o seu artifício de ser cantado convocam um distanciamento brechtiano no sentido mais profundo do seu "teatro épico".
     Moderno e não ingénuo, este é um cineasta filipino muito bom que, depois de Lino Brocka (1939-1991) e Brillante Mendonza, interessa conhecer e acompanhar na actualidade. Que merece ser conhecido na totalidade da sua obra, na Cinemateca Portuguesa por exemplo. Enquanto isso não chega, com o Indie, o Doclisboa e o Lisbon & Sintra Film Festival, uma razoável distribuição comercial e uma boa Cinemateca, Lisboa continua a afirmar-se como grande capital europeia do cinema.

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