sábado, 25 de novembro de 2017

Confiar ou não confiar

    Palma de Ouro no Festival de Cannes deste ano, "O Quadrado"/"The Square" do sueco Ruben Östlund (2017) é um filme desconcertante e provocatório desde o seu início.
    Por motivos pessoais que não vão deixar de o atormentar, Christian/Claes Bang é retirado do seu conforto profissional como curador de um museu: em plena rua é despojado, sem dar por isso, da carteira, do telemóvel e dos botões de punho que lhe tinham sido deixados pelo avô.
     Tenta reagir através da localização do telemóvel, o que acaba por lhe devolver o que lhe tinha sido roubado mas lhe traz também a ameaça do caos, que se vai insinuando mesmo independentemente dele com a americana Anne/Elisabeth Moss que se intromete na sua vida e com o performer que excede o que era suposto fazer.
    Sozinho a maior parte do tempo, o protagonista tem de lidar também com as suas duas filhas pequenas - admirável o momento em que as perde no shopping e tem de pedir ajuda que só um mendigo lhe dá - e com os especialistas de comunicação e marketing do museu, que vão precipitar os acontecimentos.
                      
        Mas o desconforto de Christian e da audiência no filme contagia o espectador do filme na sequência da performance do homem-animal. Sequência central que vem questionar a existência do animal por baixo do homem dito civilizado - tinha havido antes o espectador com a síndrome de Tourette e o chimpamzé em casa de Anne, inexplicado.
         Centrado no protagonista, habilmente "O Quadrado" remete para o fora de campo, como se permanentemente deslocasse da instalação com aquele nome a atenção. Mas acaba por ser o completo domínio do tempo de cada plano e de cada sequência que impõe a mestria da realização.
      Deste modo, a inquietação provocada no espectador é insidiosa e vai atingir a partilha do medo do protagonista, que quer estabelecer um espaço de solidariedade e concórdia com a sua instalação, ao longo do filme e a partilha do medo dos espectadores na sequência do homem-animal, turvado por um irrepressível júbilo numa mistura a que chamarei "angústia".
        Inteligente e astuto, Ruben Östlund, de quem conhecíamos "Força Maior"/"Turist" (2014), é devedor de Lars von Trier e de Michael Haneke e surge como um cineasta inquieto e desassossegador que sabe lidar com tudo o que faz um filme, incluindo uma banda sonora musical rica e variada que torna assistir a "O Quadrado" uma experiência especialmente perturbadora.

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