O filme "Peregrinação" de João Botelho (2017), agora estreado, não é uma obra simples nem linear pelo que deve ser encarado em todos os seus níveis e implicações.
Crónica de viagens ao Extremo Oriente no século XVI, o livro de Fernão Mendes Pinto é uma obra fundamental da literatura portuguesa da época e de sempre. Desse modo se compreende a abordagem textual, do livro e da língua portuguesa neste filme como um motivo fundamental e fundador. Ora esta questão implica, a meu ver, uma certa austeridade da linguagem do cinema que o filme só parcialmente pratica.
De facto, com a preocupação de dar um estímulo aos portugueses na actualidade, o cineasta faz o espectáculo das navegações portuguesas mais do que a sua crónica vívida, utilizando para isso o canto a capella das canções de Fausto Bordalo Dias, que surgindo a propósito no espectáculo não têm directamente a ver com a crónica da época, que no filme comentam.
Com a voz off do narrador, que se compreende por existir tal figura no original, tudo contribui para que se esteja perante um espectáculo cinematográfico actual que até suaviza certas passagens mais cruas do original para dar a ideia de um périplo acidentado mas exótico dos aventureiros portugueses de quinhentos pelo Oriente.
Mas não se deve esquecer que este filme vem depois de outras abordagens da literatura portuguesa pelo cineasta nos seus filmes anteriores, em "O Filme do Desassossego" (2010) e "Os Maias" (2014), e tendo-o em consideração a trajectória é descendente, pois "Peregrinação" fica-se nas meias-tintas do duplo ou triplo registo, indeciso entre as palavras ditas/lidas, as imagens e as palavras cantadas, descomprometido e sem uma linha de rumo definida que não seja a do filme de aventuras em cenários exóticos.
Eu percebo o interesse deste como dos filmes anteriores do cineasta para a "educação nacional" mas, apesar de trabalhar sobre argumento seu, o rasgo criador original está cada vez mais ao serviço de uma mensagem e de destinatários que olhem boquiabertos e agradecidos para o grande espectáculo que em filme lhes é proporcionado por um grande artista
Onde seria de esperar exigência encontra-se condescendência pelos nossos honrados antepassados, apresentados como vítimas dos selvagens e cujas tropelias são largamente minimizadas ou ignoradas. De resto, os actores estão bem, com Cláudio da Silva de novo num duplo papel, Catarina Wallenstein, Jani Zhao e Cassiano Carneiro, a fotografia de Luís Branquinho e João Ribeiro, o guarda roupa de Silvia Garbowski e os cenários de João Mendes Ribeiro cumprem, a música, com arranjos de Daniel Bernardes e Luís Bragança Gil, embora deslocada compreende-se.
Apesar da assinatura inconfundível de João Botelho, este filme passa ao lado e à distância do grande filme que poderia ter sido nas mão de Paulo Rocha, que o teve como projecto que não pôde concretizar.
Apesar da assinatura inconfundível de João Botelho, este filme passa ao lado e à distância do grande filme que poderia ter sido nas mão de Paulo Rocha, que o teve como projecto que não pôde concretizar.
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