quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Sempre a dobrar

     Só um seria muito bom, logo os dois em simultâneo é excelente quando se trata de Amadeo e Almada, os dois nomes maiores do modernismo português na pintura.
     A exposição sobre Amadeo Souza-Cardoso esteve primeiro no Porto e depois em Lisboa como há cem anos, em 1916, na tentativa de recriar a exposição original, organizada pelo próprio artista no Salão de Festas do Jardim Passos Manuel e na Liga Naval Portuguesa respectivamente.
     Os quadros expostos são do melhor que ele criou e do melhor do modernismo, pelo que essa é uma exposição para visitar várias vezes e reter na memória, embora eu não tenha gostado do espaço exíguo a que foi circunscrita no Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, em Lisboa - disseram-me que no Porto o espaço foi semelhante.          
                     
    Só de pensar que o genial jovem artista viveu grande parte da sua vida em Paris e que dois anos depois da exposição original morreu com 30 anos ficamos arrepiados por tão grande obra em tão curta vida. A anterior "Amadeo de Souza Cardoso. Diálogo de Vanguardas" teve lugar na Gulbenkian em 2006. Interessa em especial dele neste momento "XX Dessins" (Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian/Sistema Solar, 2016). Esta exposição está até 26 de Fevereiro no MNAC, no edifício que foi do Governo Civil de Lisboa para que ele há pouco se alargou.
   A exposição da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, "José de Almada Negreiros: uma maneira de ser moderno" é uma exposição antológica de grande formato e inclui muito do que de mais importante ele, entre gravura, desenho e pintura criou com o seu génio pessoal ao longo de uma vida longa, que inclui cartazes de cinema e mesmo o seu micro-filme de ficção, divertidíssimo. 
   Espraiando-se por um vasto espaço com prolongamento no piso inferior, abre-nos um universo único que é raríssimo ver nesta forma ordenada e organizada no espaço de uma vida. Com todas as ligações ao modernismo, aos outros modernistas, nomeadamente a Fernando Pessoa e ao seu tempo. Só quem for cego não vê todo o génio plástico que, além do literário este homem carregou consigo e nos transmitiu.
                                      
    Esperava-se há muito uma iniciativa como esta dedicada ao único declaradamente futurista dos nossos modernistas, que nos fizesse, como esta exposição faz perceber o que então esteve em jogo com ele desde uma época em que cubismo e futurismo concorriam internacionalmente já. Até 5 de Junho na Gulbenkian.
    O que importa reter é que o trabalho de Almada, tal como o de Amadeo impôs-se no seu tempo e chega intacto até nós hoje, preservando as características estéticas que fizeram a sua originalidade e o seu sucesso junto dos seus contemporâneos. E com isto estou a dizer que, apesar da influência que tiveram nada se fez depois que os igualasse.
    Do Almada sobre o Amadeo leiam o folheto incluído em "K4 - O Quadrado Azul" (Lisboa: Assírio & Alvim, 2000) e leiam o Almada todo, de que retenho cem anos depois o justíssimo e perene poema "A Cena do Ódio", que ele destinava ao nº 3 da revista Orpheu, que não chegou a ser publicado. Contra todos os Dantas que proliferam sem cessar em todos os sectores, talvez que assistir a estas duas exposições excepcionais seja o acto cultural mais importante das vossas vidas portuguesas. E leiam o que no tempo certo, desde a década de 50 do Seculo XX José-Augusto França escreveu sobre tudo isto.

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