sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Trabalhar o arquivo

   O mais recente documentário de Martin Scorsese "Uma Discussão com 50 Anos"/"The 50 Year Argument" (2014), realizado com David Tedeschi é um excelente trabalho sobre o arquivo da The New York Review of Books, com comentários actuais que potenciam esse arquivo, que é de facto notável. Neste caso é o interesse do objecto que que define o valor do documentário. Chegou-nos com três anos de atraso, a reboque de "Silêncio"/"Silence", o que, sendo o país aquilo que é, sempre desconfortável nem sequer me espanta.
   Com uma história de mais de 50 anos, a revista é uma referência da cultura americana e mundial, que estabelece a "comunicação silenciosa" entre os leitores de livros e os seus leitores. Os seus colaboradores ao longo de cinco décadas incluíram nomes maiores da cultura americana e mundial, como W. H. Auden, Susan Sontag, Tony Judt, Isaiah Berlin, Gore Vidal para me ficar por aqui.
   Sem se limitar à literatura, na sua pluralidade a The New York Review of Books sempre se caracterizou por falar a diferentes vozes, com um editor justamente famoso, Robert Silvers, figura respeitada que, com Barbara Epstein até 2006, tem assegurado a linha editorial. As polémicas têm sido muitas e todas muito boas - ver o diálogo vivo entre Susan Sontag e Norman Mailer.
                                    The 50 Year Argument movie poster
  Especialmente para quem acompanhou a história da revista este documentário de Martin Scorsese é precioso pois integra a  história da América e do mundo nos últimos 50 anos, o que deverá interessar a todos pois é convocado com imagens e depoimentos independentes e qualificados sobre diversos assuntos da literatura, da história e da política, alguns deles mal conhecidos.
  Isto faz lembrar que existem em todo o mundo, mesmo em Portugal, publicações culturais que mereceriam um documentário à altura, o que não devia ser preciso este filme recordar mas recorda e faz muito bem.
 A inserção no final de excertos da sequência dos homens-livros de "Grau de Destruição"/"Fahrenheit 451" de François Truffaut (1966) é perfeitamente justificada e muito feliz, e deve contribuir para que tenha havido quem entre nós não apreciou o filme. Aqui com David Tedeschi e de novo com a colaboração do crítico e historiador do cinema Kent Jones, Martin Scorsese trabalha neste momento melhor no documentário, em que se mostra empenhado e rigoroso, que na ficção, em que se resguarda num conformismo sem perspectivas.
  Nota: Na sessão a que assisti o filme não chegou a duas horas de duração, quando a duração anunciada excede as duas horas, o que me deixa perplexo e obriga a esperar pela edição dvd.

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