quinta-feira, 9 de março de 2017

Autores de estimação

   Um compromisso menoríssimo mal colocado impediu-me de assistir ao lançamento seguido de conferência de "Camões e outros contemporâneos", o mais recente livro de ensaio de Helder Macedo (Lisboa: Presença, 2017). Tratando-se de mais um livro do nosso grande especialista vivo no nosso maior poeta de sempre aconselho vivamente.
    São duplas fundamentais, esta e a de José Gil com Fernando Pessoa, e eu vou pelo primeira que agora aqui me traz pois não houve até agora de super-Camões senão a presunção. Sou pessoano, claro, como toda a gente até os turistas nas livrarias portuguesas, mas a lírica camoniana é para mim sem igual e a sua épica é parte da história.
    Grande poeta e ficcionista, que comecei a acompanhar mais detidamente a partir de "Partes de África" (Lisboa: Presença, 1991), a sua primeira ficção, Helder Macedo é um ensaísta extraordinário que tem escrito sobre tudo ou quase na literatura portuguesa sempre com o maior interesse. Houve mesmo um tempo em que o Jornal de Letras atravessava uma fase menos boa em que eu o comprava só pela crónica dele.
                                      Camões e Outros Contemporâneos
    Aliando sabedoria, estudo aturado e algum humor, ele é uma verdadeira memória viva e fiável da cultura portuguesa. Especialista na literatura e na cultura portuguesas e em Camões, a quem dedicara já, por exemplo, "Camões e a Viagem Iniciática" (Lisboa: Abysmo, 2013 para a edição revista e aumentada) e a cuja época dedicara "Viagens do Olhar - Retrospecção, Visão e Profecia no Renascimento Português", co-Fernando Gil (Porto: Campo das Letras, 1998), jubilado do King's College Helder Macedo continua a orientar a nossa melhor leitura e a aumentar o nosso conhecimento com a sua escrita fresca, clara e imparável.
    Não basta de facto ler "Os Lusíadas" em inglês ou noutra língua ou sabê-los mesmo de cor se não soubermos o que quer dizer o poeta no que a cada passo escreve. Entre outras é essa a luz que o Autor aqui de novo nos traz, numa colectânea de ensaios em que se ocupa, além do propriamente dito, de D. Dinis, Sá de Mirande, Bernardim, Pessoa, Sophia, Saramago e Herberto Helder, entre muitos outros, todos eles nossos contemporâneos. São todos ensaios estimulantes em que o Autor dialoga com os textos e com a sua memória, com a filosofia e a história e em alguns casos também com trabalhos anteriores seus.
    Com ele, "o discurso crítico (...) torna-se ele mesmo literatura", como escreve Georg Steiner no prefácio à 2ª edição de "Tolstoi ou Dostoievski" (Lisboa: Relógio d'Água, 2015), que também aconselho. E chamo forçosamente também a vossa atenção para a excepcional qualidade dos outros livros de Helder Macedo, prosa e poesia, o mais recente dos quais é o excelente e original "Romance" (Lisboa: Presença, 2015).
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    Isto enquanto José Gil regressa a Pessoa em "Ritmos e Visões" (Lisboa: Relógio D'Água, 2016), no prosseguimento de uma abordagem variada que ao poeta dos heterónimos como uma obsessão tem dedicado. Mas esse até está na moda e nas bocas do mundo em diversas línguas e edições, mesmo em prejuízo de outros, pelo que nem sequer preciso de o aconselhar.
   Significa isto que a cultura portuguesa está na moda? Não estou certo disso, até porque a questão que se coloca não é só a da sua projecção internacional mas a do seu conhecimento e valorização no que tem de melhor pelos próprios portugueses.
    Mas sobre a literatura portuguesa mais recente há também "A Chama e as Cinzas - Um quarto de século de literatura portuguesa (1974-2000)", de João Barrento (Lisboa: Relógio d'Água, 2016), conjunto de textos com origem nas conferências da Feira do Livro de Frankfurt, publicados na Alemanha em 1999 e portanto em alemão no original. Reformulados, desenvolvidos e complementados, terminam com um texto baseado numa intervenção feita no Brasil em 2005 e não era sem tempo que chegassem ao leitor português. 
    Voltarei a tudo isto com mais tempo e mais pormenor.  Os chamados "universitários na diáspora" têm muito que se lhes diga, pois na diáspora está o melhor dos portugueses e é onde os portugueses estão melhor. Aqui andam a tropeçar permanentemente uns nos outros ou em si próprios.

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