quinta-feira, 30 de março de 2017

O longo adeus

    Sempre alimentei dúvidas sobre o talento especial de Claude Sautet (1924-2000), muito apreciado em França mas que me surgia como um Claude Lelouch melhorado. Chamaram-lhe o Hawks francês, o que só agora começo a compreender.
    Graças ao Arte tenho podido rever e reavaliar o melhor do cinema francês para os franceses, percebendo assim o encanto estranho se bem que claro dos filmes do cineasta, que no seu melhor mantém uma reserva equivalente à retenção do grande mestre do cinema clássico americano.
    Tendo-se iniciado como argumentista nos anos 60 depois de uma curta-metragem em 1951 e uma longa em 1956, ele realizou filmes excelentes a partir de 1960 que fizeram o seu tempo e marcaram uma época no cinema francês fora da nouvelle vague e se calhar contra ela, como fizeram na mesma época Alain Cavalier, Costa-Gavras e Maurice Pialat. 
                     http://imgsrc.art.com/img/print/print/max-et-les-ferrailleurs-1970-directed-by-claude-sautet-romy-schneider_a-l-9889268-8363151.jpg
     "Contra Todos os Riscos"/"Classe tous les risques" (1960), com Lino Ventura, Sandra Milo e Belmondo, e "Um Iate para a Jamaica"/"L'arme à gauche" (1965) com o primeiro, Sylva Koscina e Leo Gordon, precederam "As Coisas da Vida"/"Les choses de la vie" (1970) e "O Estranho Caso do Inspector Max"/"Max et les ferrailleurs" (1971) , ambos com Michel Piccoli e Romy Schneider, e "César e Rosália"/"César et Rosalie" (1972), com Yves Montand, Romy Schneider e Samy Frei, que com actores fundamentais estabeleceram o seu caminho e firmaram o seu mérito como cineasta. Só nestes três filmes está, como em Maurice Pialat, parte do melhor do cinema francês da segunda metade do Século XX.
     Seguiram-se "Os Inseparáveis"/"Vincent, François, Paul... et les autres" (1974), com Montand, Picolli, Reggiani, Depardieu, Stéphane Audran e Marie Dubois, "Entre Duas Mulhers"/"Mado" (1976) com Picolli, Ottavia Piccolo, Jacques Dutronc, Charles Denner e Romy Schneider, e "Uma História Simples"/"Une histoire simple" (1978), com Schneider, Bruno Cremer e Claude Brasseur. Depois "Um Mau Filho" (1980) com Patrick Dewaere, Brigitte Fossey e Jacques Dufilho, "Um Homem Apaixonado"/"Garçon!" (1983) com Yves Montand e Nicole Garcia, "Alguns Dias Comigo"/"Quelques jours avec moi" (1988) com Daniel Auteuil e Sandrine Bonnaire, e "Um Coração no Inverno"/"Un couer en hiver" (1992), com Daniel Auteuil, Emmanuelle Béart e André Dussollier. Faço questão de referir aqui os actores para que se perceba que todos foram filmes excepcionais que criaram  um estilo e o mantiveram no seu melhor criando uma "escola"
     Mas acabou por ser o seu último filme, inédito em Portugal, que me levou a compreender tudo retrospectivamente. De facto "Nelly & Monsieur Arnaud" (1995), com Michel Sarrault e Emmanuelle Béart, é uma espantosa despedida com um certo pudor antigo que é pessoal e nada tem de acidental.
     Sempre presente no argumento e na adaptação, Claude Sautet soube escolher os seus temas, os seus actores e a sua própria mise en scène, invisível como nos clássicos, deixando todo o espo ao desenvolvimento da narrativa e ao trabalho dos actores, com personagens banais, do quotidiano, rumo à sua tragédia inominável. Nem sequer desigual, foi igual a si mesmo.
                     http://www.gablescinema.com/media/filmassets/slides/NellyandMonsieurArnaud3.jpg
     Assumido com reserva o papel de narrador e de observador, o cineasta soube delimitar um espaço e descrever um percurso pessoal e de excepção no cinema francês que deve ser devidamente ponderado e avaliado. O cinema francês não foi de facto apenas a nouvelle vague a partir dos anos 60. Na sua obra escassa, que conta apenas 14 longas-metragens, Claude Sautet é um cineasta a apreciar calmamente e a reconhecer mesmo passado todo este tempo.
      Bem vistas as coisas, ele expressou uma veia de inspiração pessoal ao melhor nível no cinema francês, cultivando simultaneamente uma certa distinção e um certo infortúnio fatal de personagens com traços de carácter bem definidos, com uma apetência pela felicidade e uma sujeição a todos os tombos que a sua perseguição implica.
      Um certo pudor antigo tratado com distância e tronia disso me convenceu decididamente na sua despedida. "La vieillesse du même" chamou Serge Daney a "Rio Lobo", o último filme de Howard Hawks (1970). Claude Sautet andou por aí no seu último filme. Para amar os seus filmes não é preciso odiar a nouvelle vague, que mais que um cinema político praticou uma política do cinema que o pode abranger a ele. Mas se acharem que sim por mim estejam à vontade.

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