quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Serei o último

     Serei último a defender "A Forma da Água"/"The Shape of Water", de Guillermo del Toro (2017), um melodrama xaroposo situado nos anos 50, com o monstro (a afronta/Doug Jones), o super vilão branco (Richard Strickland/Michael Shannon), a muda (Elisa Esposito/Sally Hawkins), a amiga dela (Zelda Fuller/Octavia Spencer), o pobre de espírito mas bom tipo (Giles/Richard Jenkins), o espião soviético (Robert Hoffstetler/Michael Shuhlbarg) e o mais em termos de clichés, em simples metáfora sobre eles, o outro, a diferença, fantasia sem densidade nem reflexão para  além deles.
     Serei, contudo, o último a atacar o filme dado o seu humanismo simples para os dias de hoje, na América com um inquilino da Casa Branca "conservador" no mínimo. Também os anos 50 foram uma era de presidência conservadora, que anteciparam a mudança com John F. Kennedy. Talvez que a principal qualidade deste filme seja ser directo e acessível e não ambcionar mais do que isso em tom encantado e musical
     Com todas as referências cinematográficas e televisivas da época, em que o melodrama como o musical, a ficção científica como o filme histórico foram géneros em evidência, o cineasta aproveita-as bem mas também a nível elementar, directo e simples, com um argumento da sua autoria e de Vanessa Taylor baseado em história dele a que se fica a dever o seu lado "politicamente correcto", que a realização enfatiza. E Baltimore faz o lugar de "cidade de província", que na época talvez fosse.
                     http://georgekelley.org/wp-content/uploads/2018/01/m-theshapeofwater.jpg
      Mas é preciso também perceber que o cineasta não se liberta do modelo de "O Labirinto do Fauno"/"El laberinto del fauno" (2006) ou de "Crimson Peak: A Colina Vermelha"/"Crimson Peak" (2015), o que até poderia ser um sinal positivo não se dera o caso de ser uma repetição sem variação nem aprofundamento, tudo superficial e sem avanços que se notem, óbvio e com todos os evidentes segundos sentidos.
      "A Forma da Água" tem tudo no seu lugar para os Oscars e para a glória do grande realizador, aliás também produtor, incluindo as referências pseudo-cultas, enquanto que como filme tem todos os clichés que fazem um cinema fraco embora popular, o que não é neste caso indiferente. Prefiro-lhe "Três Cartazees à Beira da Estrada"/"Three Billboards Outside Ebbing, Missouri", de Martin McDonagh, um bem melhor filme (ver "Protesto visível", de 14 de Janeiro de 2018).
     Chamo apenas a atenção para a presença constante de uma música de fundo, de Alexandre Desplat, muito boa mas para embalar num filme que como cinema não tem nada, mesmo nada de especial - a fotografia de Dan Laustsen e a montagem de Sidney Wolinsky, tal como as interpretações e a realização são apenas correctas. 
      Serei o último a defendê-lo e o último a atacá-lo porque é um filme útil no presente momento, com uma simplicidade que não lhe basta para ser um grande filme. Por sua vez o cineasta tem algumas boas ideias sobre a narrativa e sobre o cinema, mas está num impasse criativo, o que se espera venha a ultrapassar no futuro.

Sem comentários:

Enviar um comentário