domingo, 4 de fevereiro de 2018

Vestir bem

     Depois de "The Master - O Mentor"/"The Master" (2012) e "Vício Intrínseco"/"Inherent Vice" (2014), o americano Paul Thomas Anderson estreou "Linha Fantasma"/"Phantom Thread" (2017), um filme de que é também argumentista e director de fotografia.
      Ao seu melhor nível, o cineasta centra-se em Londres nos anos 50 onde o costureiro Reynolds Woodcock/Daniel Day-Lewis, com a sua distinta clientela, escolhe aquela que  vai ser seu modelo e inspiração e depois se torna mais do que isso, Alma/Vicky Krieps, que o inspira mas também transtorna a sua vida, sob o olhar e na presença da fiel Cyril/Lesley Manville.
       Sem o lado romântico que se poderia esperar - recalcado e subterrâneo o que de pigmaliónico tiver -, a relação entre os dois torna-se difícil dada a obsessão dele pelo seu trabalho, e Alma enfrenta uma primeira tentativa de envenenamento dele, benigna e repetida no final, já com o consentimento dele, para resolver o problema. Com base num livro sobre cogumelos.
     Nos antípodas da composição fragmentária e múltipla de "Magnolia" (1999), este "Linha Fantasma" não larga os dois protagonistas, com narração de Alma para o médico, até captar as mais pequenas evoluções e as mais subtis modificações de cada um, ora seguindo-o a ele, que coloca mensagens na bainha dos vestidos, a ora acompanhando-a a ela, na passagem da admiração para o amor.
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      Obcecado com a perfeição do seu trabalho, ele sente-se progressivamente cercado e recorda a mãe, morta, que lhe aparece no quarto, enquanto ela, depois da sua surpresa mal recebida, sente necessidade de lhe tocar de modo a fazer-se sentir e a fazer-lhe doer.
      A narrativa não deixa de lembrar o homem super-protegido e idolatrado de "O Mundo a Seus Pés"/"Citizen Kane", de Orson Welles (1941), que cita expressamente pelo menos na visita do médico ao doente. Mas Reynolds Woodcock ergue em torno de si uma barreira invisível que torna impossível a aproximação por quem quer que seja.
     Assim Paul Thomas Anderson prossegue na senda de personagens desajustadas, que têm dificuldade de convívio fora dos seus próprios termos, egocêntricos. Alma é a vida que reviravolteia em torno dele, fixo - veja-se a panorâmica circular em torno dela, que a acompanha -, e que tem de encontrar os seus próprios meios para chegar até ele.
       A música de Jonny Greenwood é muito boa e está muito bem utilizada, a montagem  de Dylan Tichenor é perfeita e a fotografia assumida pelo cineasta cria os enquadramentos e as desfocagens que ele quer sem prejuízo da visibilidade do que ele quer. A resolução do final entre os dois em campo-contracampo diz tudo do isolamento de cada um apesar da proximidade por fim conseguida por Alma e consentida por Reynolds, o que o genérico de fim põe em causa.     

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