domingo, 20 de janeiro de 2019

Conflito

     No primeiro volume dos "Textos Filosóficos" de Marco Túlio Cícero agora publicados pela Gulbenkian, ao jeito de diálogos, que vinha da Grécia, o antigo político romano faz, na discussão das Academias Antiga e Moderna, um resumo das principais correntes filosóficas da sua época, provenientes elas também da Grécia, que vale a pena trazer aqui brevemente.
     Segundo ele há que atender ao Epicurismo, ao Estoicismo e ao Cepticismo que ele próprio defende, embora o grande confronto seja entre Epicuro e Lucrécio de um lado, Zenão como "cabeça de fila" do outro.
      Resumidamente, na disputa entre o bem e o mal, o Epicurismo identificava-os com o prazer e a sofrimento, o Estoicismo com a virtude e o vício. Outras correntes vindas também da Grécia anterior adoptavam certas nuances, como os Peripatéticos, ou seguiam princípios diferentes, como os Sofistas e os Cínicos.
     A parte de razão de cada um decorre dos princípios e das consequências deles retiradas, nomeadamente por meio de silogismos, muito para além da simples contraposição do prazer e da virtude, como hoje em dia é comum serem resumidos Epicurismo e Estoicismo. A grande separação dava-se no que cada uma das escolas considerava "supremo bem" e também quanto à "felicidade".
     Tudo isto se encontra desenvolvido em "As Últimas Fronteiras do Bem e do Mal", ainda no primeiro volume, e depois no segundo, "Diálogos em Túsculo", de um ponto de vista mais prático.
    Retomada noutros destes textos filosóficos, a questão foi transmitida como conflito pela Antiguidade ao futuro e revelou-se prenhe de consequências. Não será difícil, de facto, verificar a influência da doutrina da virtude no Cristianismo e a desconfiança deste em relação ao Epicurismo.
                                    LIVRO TEXTOS FILOSOFICOS
     Por sua vez, Cícero exerceu grande influência em filósofos cristãos, como foi o caso notável de Santo Agostinho, que a ele terá ido buscar informação e conhecimento.
     Interessa aqui assinalar também o debate a que Karl Marx submeteu o Epicurismo na sua tese de doutoramento sobre "Diferença da filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro", datada de 1841. Quanto mais não seja para constatar a não uniformidade do pensamento do Epicurismo, sujeito a evoluções em épocas sucessivas. O mesmo será, aliás, válido para o estoicismo.
     Mas o que aqui me traz é aconselhar os "Textos Filosóficos" de Cícero agora acessíveis em português numa tradução capaz, que permite ajuizar de toda a argumentação do seu tempo, séculos II-I A. C, a respeito de cada uma das duas grandes escolas de pensamento herdadas por Roma da Grécia. Em diálogo que permite avaliar o que milita a favor e contra cada uma delas, na argumentação e na pena do grande tribuno.
     Mesmo hoje em dia Epicurismo e Estoicismo são palavras do vocabulário comum, usadas por quem desconhece os conceitos que lhes estiveram ligados na origem e as razões desde o início invocadas de uma e outra parte neste debate. 
     Porque as obras de Cícero são muito claras e marcaram uma época e o futuro dela, aqui as aconselho sem restrições na edição da Gulbenkian da responsabilidade de J. A. Segurado e Campos, que fornece todo o contexto, num novo tempo que parece ter feito as suas escolhas, que interessa discutir. Para ver se entendemos melhores os nossos desentendimentos.
     Lembro ainda que de Epicuro foram publicadas em português as "Sentenças Vaticanas" e as "Máximas Principais" em 2017 pelo jornal Público.

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