quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Os 4 ases

     John Ford terá começado no cinema em 1914, como assistente do seu irmão Frank, e Raoul Walsh iniciou-se com David W. Griffith - interpretou mesmo o assassino de Abraham Lincoln, John Wilkes Booth, em "O Nascimennto de uma Nação"/"The Birth of a Nation"  (1915). Os dois fizeram os seus primeiros filmes ainda nos anos 10 do século XX, enquanto King Vidor se estreou na realização cinematográfica em 1919 e Howard Hawks, que começara a trabalhar  no cinema em 1917, dirigiu o seu primeiro filme em 1926. Junto-os aqui por terem sido os quatro os grandes pioneiros e fundadores de um cinema clássico americano desde o cinema mudo e depois do advento do sonoro. Breves palavras sobre cada um deles.
    Assinando Jack Ford, o primeiro privilegiou desde o início, em 1917, o western, género americano por excelência como escreveu André Bazin, de que se tornou o grande mestre pelo menos desde "O Cavalo de Ferro"/"The Iron Horse" (1924), mais tarde a partir de "Cavalgada Heróica"/"Stagecoach" (1939). Praticou outros géneros, como o melodrama e a comédia, mesmo o filme de guerra e o filme histórico - "A Grande Esperança"/"Young Mr. Lincoln" (1939) -, mas se pode ser considerado o melhor cineasta americano de sempre e um dos melhores do mundo é sem dúvida graças aos seus westerns, sete deles situados em Monument Valley.
     Nos anos 30 tinha feito "O Denunciante"7"The Informer" com Victor McLaglen a partir de romance de Liam O'Flaherty (1935) e "Mary Stuart, Rainha da Escócia"/"Mary of Scotland" com Katharine Hepburne a partir de peça de Maxwell Anderson (1936), e iniciou os 40 com adaptações John Steinbeck em "The Grapes of Wrath" (1940) e Erskine Caldwell em "Tobacco Road" (1941).
                       
    Fez até aos anos 60 filmes admiráveis de sabedoria a partir das suas raízes irlandesas e católicas e veio a encerrar a época áurea do western com "O Homem que Matou Liberty Valance"/"The Man Who Shot Liberty Valance" (1962), depois do qual fez ainda "O Grande Combate"/"Cheyenne Automn" (1964), para se despedir com "Sete Mulheres"/"Seven Women" (1966), ainda em jeito de western. Mas o seu melhor filme terá sido "A Desaparecida"/"The Searchers" (1956), que alguns consideram o melhor filme de sempre. O seu actor emblemático foi John Wayne, embora com ele tenham também trabalhado Henry Fonda nos anos 40 ("A Paixão dos Fortes"/"My Darling Clementine", 1946) e James Stewart nos 60 ("Terra Bruta"/"Two Rode Together", 1961).
    Raoul Walsh tinha-se estreado como realizador quatro anos antes de Ford, em 1913, e teve o seu primeiro grande sucesso em "O Ladrão de Bagdad"("The Thief of Bagdad" (1924) e o seus primeiros grandes westerns com "In Old Arizona" (1929) e "A Pista dos Gigantes"/"The Big Trail" (1930), ele que dedicou o melhor da sua obra a este género e ao filme de gangsters, de que foi também pioneiro. Efectivamente, não só foi o grande responsável pela descoberta e o lançamento de Humphrey Bogart, como chegou a fazer com este um filme de gangsters, "Último Refúgio/""High Sierra" (1941), de que veio a fazer na mesma década o remake em western,  "Golpe de Misericórdia"/"Colorado Territory" (1949).
     Entre os seus westerns destacam-se "A Caminho da Forca"/"Along the Great  Divide" com Kirk  Douglas e "As Aventuras do Capitão Wyatt"/Distant Drums" com Gary Cooper, ambos de 1951, "Duelo de Ambições"/"The Tall Men" com Claark Gable e Robert Ryan (1955), precedidos pelo célebre "Todos Morreram Calçados"/"They Died With Their Boots On" com Errol Flynn (1941/. Mas também fez filmes de guerra, como "Objectivo: Burma"/Objective, Burma" (1944) e até filmes de piratas, como "Barba Negra o Pirata"/"Blackbeard the Pirate" (1952).
                         http://dl9fvu4r30qs1.cloudfront.net/33/52/51eea0214856b06f91fbc618a21c/high-sierra-still.jpg
    Movendo-se por vezes na zona da série B, Walsh foi um outro grande clássico do cinema americano, possuídor de um estilo e uma temática próprios que fizeram a sua grandeza desde o tempo do cinema mudo. Entre os seus melhores filmes contam-se dois filmes de gangsters, "Heróis Esquecidos"/"The Roaring Twenties" (1939) e "Fúria Sanguinária"/"White Heat" (1949) com o emblemático James Cagney  Também trabalhou no melodrama e na comédia mas foi entre o filme de gangsters e o western que conseguiu atingir o seu melhor. Despediu-se em 1964 com um western surpreendente, "A Carga da Brigada Azul"/"A Distant Trumpet", ele que tinha feito o primeiro western  psicológico, "Núpcias Trágicas"/"Pursued" (1947).
      King Vidor é talvez o menos conhecido dos quatro, mas teve os seus primeiros grandes filmes no tempo do cinema mudo, "A Grande Parada"/"The Big Parade" (1925) e "A Multidão"/"The Crowd" (1928), seguidos "Aleluia!"/"Halleluiah!" (1929) e "O Vingador"/"Billy the Kid" (1930), já sonoros, mais tarde "O Pão Nosso de Cada Dia"/"Our Daily Bread" (1934), e "O Pecado das Mães"/"Stella Dallas" (1937). Depois de excelentes filmes tornou-se mais pessoal com "Duelo ao Sol"/"Duel in the Sun" (1946), o grande western naturalista que precede e antecipa "As Portas de Paraíiso"/"Heaven's Gate", de Michael Cimino (1980), um género a que voltou com "Homem sem Rumo"/"Man Without a Star" (1955).
    Entre os seus filmes mais famosos contam-se ainda "A Passagem do Noroeste"/"Norwest Passage" (1940), que introduziu a crueldade na sua obra, "An American Romance" (1944) e "Vontade  Indómita"/"Th Fountaihead" (1949), que também chama a atenção para a importância da arquitectura na sua obra. Trabalhou com grandes actores, como Spencer Tracy, Gregory Peck, Gary Cooper e Kirk Douglas.
                      http://cdn.cnn.com/cnnnext/dam/assets/160104164200-04-tbt-jennifer-jones-restricted-super-169.jpg
      Mas "Duelo ao Sol" tinha introduzido a actriz que iria acompanhar o cineasta no seu afastamento de Hollywood, Jennifer Jones, que viria a estar no centro de "A Filha de Satanás"/"Beyond the Forest" (1949) e "A Fúria do Desejo"/"Ruby Gentry" (1952), os filmes de King Vidor que se movem já no campo da imagem-pulsão, segundo Gilles Deleuze, e que lhe valem um lugar à parte no cinema clássico americano. Despediu-se com memoráveis superproduções, "Guerra e Paz"/"War and Peace" (1956) e "Salomão e a Rainha do Sabá/"Salomon and Sheba" (1959), que explicita a influência bíblica que nele  esteve sempre presente, mas ficou como um cineasta sério e inabalável na sua abordagem da América.
       Howard Hawks rivalizou com John Ford como o melhor cineasta clássico americano e foi o mais versátil de todos pois praticou  todos os géneros ao mais alto nível, pioneiro no filme de gangsters, no filme de aventuras, na screwball comedy, no policial e mesmo, embora mais tardio, no western. Os seus melhores filmes são sobre gangsters, como "Scarface, o Homem da Cicatriz"/"Scarface" (1932), o grupo profissional, como "Paraíso Infernal"/"Only Angels Have Wings" (1939), comédias como "As Duas Feras"/"Bringing Up Baby" (1938), filmes de guerra como "O Sargento York"/"Seargent York" )1941), policiais como "À Beira do Abismo"/"The Big Sleep" (1946), westerns como "Rio Vermelho"/"Red River" (1948) e "Rio Bravo" (1959), comédia musical em "Os Homens Preferem as Louras"/"Gentlemen Prefer Blondes" (1953) e filme histórico em "A Terra dos Faraós"/"Land of the Pharaohs" (1955).
        Homem culto e desembaraçado, Hawks fez também filmes de aviação que quadravam com a sua formação de piloto aviador, como "A Patrulha da Alvorada"/"The Dawn Patrol" (1930), teve como argumentista em diversos filmes William Faulkner, que adaptou mesmo um conto seu em "A Vida é o Dia de Hoje"/"Today We Live" (1933), levou ao cinema Ernest Hemingway em "Ter ou Não Ter"/"To Have and Have Not" (1944) e O. Henry em "The Ransom of Red Chief", episódio de "O. Henry's Full House" (1952).
                      https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/ae/Howard_Hawks%27Rio_Bravo_trailer_%2829%29.jpg
     Estilista notável, e nesse sentido o melhor realizador americano de sempre e um dos melhores do mundo, fez do cumprimento do dever profissional no grupo e da ridicularização do homem perante a mulher os seus temas favorito. Entre esses dois pólos definiu o herói americano, superiormente interpretado por grandes actores como Cary Grant, Gary Cooper, Humphrey Bogart e John Wayne. Tão bom como ele houve John Ford, melhor do que ele, ninguém, E aqui não arrisco a escolha do seu melhor filme, porque todos eles se contam entre os melhores do género respectivo.
    Foi com este quarteto que tiveram que lidar os emigrados da Europa, Ernst Lubitsch e Friedrich W. Murnau primeiro Fritz Lang, Alfred Hitchcock e Jean Renoir depois (ver "Entre dois o terceiro", de 17/5/2017). No seu tempo estiveram à altura deles Ceccil B De Mille, Allan Dwan, mais série B, Henry King e William Wellman. No western, que todos praticaram, tiveram continuadores à altura em Anthony Mann, Delmer Daves, John Sturges, Budd Boetticher, Sam Pechinpah e Clint Eastwood, Sergio Leone na Europa. No filme de gangsters é mais complicado porque surgiu primeiro o filme negro nos anos 40, com particular relevo na série B com Juseph H, Lewis, Anhony Mann, Sam Fuller e Don Siegel, e o género só entra em nova fase a partir da década de 70, na Nova Hollywood, com Francis Ford Coppola e Martin Scorsese, mais tarde Quentin Tarantino, Michael Mann e James Gray.
     Mas no corpus homogéneo do cinema clássico americano, de que Erich von Stroheim primeiro, Charles Chaplin depois vieram a ser excluídos, estes quatro foram os cineastas que mais se destacaram no seu tempo e em influências futuras. Por exemplo Orson Welles dizia que antes de fazer ""O Mundo a Seus Pés"/"Citizen Kane" (1941) tinha visto "Cavalgada Heróica" dezenas de vezes. E uma conjugação de génios como esta não voltou a ocorrer no cinema americano, que eles fizeram rivalizar com as grandes correntes artísticas vanguardistas dos anos 20 do século XX no cinema europeu.

Sem comentários:

Enviar um comentário