quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Depois do centenário

     Uma vez comemorado o centenário da Revolução de Outubro de 1917, a que aqui fiz uma breve alusão (ver "A mobilização dos sonhos", de 9 de Novembro de 2017), importará destacar os principais cineastas que, depois da nacionalização da indústria do cinema em 1919 e da sua reorganização em 1922, fizeram a grandeza da denominada "vanguarda dos anos 20" no cinema soviético. Brevemente, como se impõe.
     Já aqui fiz também uma referência a Sergei Eisenstein (ver "Um contra o outro", de 24 de Março de 2017), e de facto ele foi o nome central dessa "época de ouro" do cinema, de que foi também professor e teorizador em livros que não estão traduzidos em português. Nos seus filmes trabalhou sobre os progressos de David W. Griffith na criação de uma linguagem cinematográfica, que desenvolveu e aperfeiçoou sobretudo na montagem em filmes como "A Greve"/"Stacka" (1924), "O Couraçado Potemkine"/"Bronenosec Potemkin" (1925), "Outubro"/"Oktjabr" (1927) e "A Linha Geral ou O  Velho e o Novo"/"General'naja Linija ou Staroe i novoe"(1929). Há quem o considere o melhor cineasta de sempre.
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    Além dele, e tendo mesmo começado no cinema antes dele, destacou-se Dziga Vertov, um dos pioneiros do documentarismo como género cinematográfico (ver "Também no documentário", de 9 de Novembro de 2017), que no seu caso fez a propaganda da revolução e do regime.
    Importará mesmo reconhecer e sublinhar o carácter propagandístico do cinema desta vanguarda, que se compreende por a revolução ter sido pouco antes e os anos 20 terem sido a época de arranque e consolidação dela. Nesta perspectiva, os documentários de Vertov, primeiro no Kino-Nedelia (1919), depois Kino-Pravda (1922), mais tarde no Kino-Glaz (1924) entre muitos outros, tiveram um significado e um alcance muito especiais, muito embora as suas obras-primas tenham sido "Avante, Soviete!"/"Chagai, Soviet! ou Mossoviet" e "A Sexta Parte do Mundo"/"Chestala tchast mira" (1926), "O Homem da Cãmara de Filmar"/"Tchelovek s kinoapparatom" (1929), "Entusiasmo ou Sinfonia do Donbass"/"Entuziasm ou Simphonia Donbassa" (1930) e "Três Cantos para Lenine"/"Tri pesni o Lenin" (1934).
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     Mas esta vanguarda tinha começado com a FEKS, a Fábrica do Actor Excêntrico, fundada em 1922 por Grigori Kozintsev, Leonid Trauberg e Sergei Youtkevitch, enquanto, experimetalista e formalista, Lev Kulechov inventava o efeito de montagem com o seu nome com o actor Mosjoukine e fazia filmes segundo o modelo do cinema americano, como "As Aventuras Extraordinárias de Mister West no País dos Bolchevistas"/"Ncobycajnye prikljucenija Mistera Vesta v strane Bol'sevikov" (1924), "O Raio da Morte"/"Luc smerti" (1925) e "Dura Lex"/"Po zakonu" (1926). Mas há que assinalar também outros cineastas importantes como Gregori Kozintsev e Leonid Trauberg, que vieram a realizar "A Nova Babilónia"/"Novyj Vavilon" (1929) e nos anos 30 a "trilogia dos Maximos".
      Nomes grandes ao nível dos maiores foram, contudo, Vsevolod Pudovkin e Alexandr Dovjenko. O primeiro, que também escreveu sobre o argumento e a realização, ficou conhecido por filmes como "A Mãe"/"Mat'" (1926), a partir de Maximo Gorki, "O Fim de São Petersburgo"/"Konec Sankt-Peterburga" (1927) e "Tempestade na Ásia"/"Potomok Cingis-hana" (1928), e terá seguido a figura da "tomada de consciência" nos seus filmes. O segundo foi o grande panteísta do cinema soviético, com filmes como "Zveniroga 1928) "Arsenal" (1929) e "A Terra"/"Zemlja" (1930), mais tarde "Ivan" (1932) e "Aerograd" (1935), que lhe valeram e valem um lugar cimeiro que nem sempre lhe foi reconhecido.
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     Com o cinema mudo foram realizados ainda grandes filmes, como "Aelita", de Yakov Protazanov (1924), e já no final da década Esther Choub inaugurou o filme de arquivo com uma trilogia iniciada com "A Queda da Dinastia Romanov"/"Padenie Dinastii Romanovykh" (1927) e surgiu Boris Barnett, à margem da vanguarda e voltado para a comédia e o melodrama, com "A Rapariga da Caixa de Chapéus"/"Devuska s korobkoj" (1927), "Moscovo em Outubro"/"Moskva v Oktjabre" e "A Casa da Rua Troubnaia"/"Dom na Trubnoj" (1928), mais tarde "Okraina" (1933) e "À Beira do Maar Azul"/"U samago sinego morja" (1936), 
     Tudo antes do fatídico ano de 1934 e da aprovação do "realismo socialista" como política do partido e do regime para as artes e a cultura. Depois disso, e apesar de alguns filmes valiosos, com destaque para Mark Donskoï, que se estreara ainda no cinema mudo e tivera o seu primeiro grande filme com "O Canto da Felicidade"/"Pesn'o scast'e" (1934), a vanguarda extinguiu-se com a censura estalinista aos seu nomes maiores, a que apenas Pudovkin terá escapado incólume.
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     Por vezes denominada construtivista por causa de Vertov e Eisenstein, esta vanguarda, que foi precedida por Maiakovsy e coincidiu temporalmente com a francesa e com o expressionismo alemão, foi sobretudo política e estética. Mas só por si valeu no cinema como um dos seus momentos mais importantes.  A  "época de ouro" do grande cinema soviético terá terminado com "Alexandre Nevsky"/"Alexandr Nevskii", de Eisenstein (1938), quando já se tinha estreado no cinema Mikhail Romm com "Bola de Sêbo"/"Pyska" (1934), baseado em Guy de Maupassant, seguido de "Os Treze"/"Trinadcat" e "Lenine em Outubro"/"Lenin v Oktjabre" (1937), que o celebrizaram.
    Antes da Revolução de Outubro tinha-se distinguido Evgueni Bauer, recuperado e reavaliado depois do fim do regime fora de qualquer vanguarda como o primeiro grande cineasta russo. Depois só com o seu "cieema novo" dos anos 60 o cinema soviético voltou a ver-se reconhecido um lugar de evidência, com Andrei Tarkovski, Otar Iosselliani, Sergei Paradjanov, Elem Klimov, Larissa Chepitko, Andrei Mikhalkov-Kontchalovski e Nikita Mikhalkov entre outros.

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