"24 Frames", o filme póstumo (2017) de Abbas Kiarostami, célebre cineasta iraniano e cidadão do mundo, passou esta semana duas vezes na Cinemateca Portuguesa. Consegui vê-lo na segunda sessão.
Partindo de imagens da pintura ou da fotografia, ele, que foi também um grande fotógrafo, constrói um filme em filigrana sobre a vida natural, animal, vegetal e mineral, com a intervenção dos quatro elementos, terra, ar, água e fogo, este de forma discreta - o fumo no primeiro frame, os escapes mais adiante - com uma precisão visual estarrecedora.
Utilizando sempre o plano fixo, ele começa com a exploração do terço inferior da imagem e caminha para o seu terço superior no final, com vários frames que exploram o centro real e virtual, geométrico de cada plano, desenhado pelas próprias configurações da natureza com animais no meio. A partir do esquema extremo de "Five Dedicated to Ozu" (2003), com duração mitigada: 4 minutos e meio cada plano.
Num filme que tinha planeado mais extenso e já não pôde concluir - foi finalizado pelo seu filho Ahmad Kiarostami -, ele socorre-se da natureza, que tantas vezes o inspirou na fotografia e no cinema, para imprimir movimento ao que antes fora fixo ao dar-lhe uma outra duração temporal.
Transbordando o seu génio criativo, Abbas Karostami deixa-nos como última obra um filme exacta e precioso em que o homem só surge esporadicamente nos frames 14 e 15 e em dois dos últimos apenas em ruídos fora de campo - soberba a motosserra e consequência. Mas não é ele o único predador da natureza, que comporta a sua predação própria.
Transbordando o seu génio criativo, Abbas Karostami deixa-nos como última obra um filme exacta e precioso em que o homem só surge esporadicamente nos frames 14 e 15 e em dois dos últimos apenas em ruídos fora de campo - soberba a motosserra e consequência. Mas não é ele o único predador da natureza, que comporta a sua predação própria.
Quase sem humanos e quase contra eles, sem diálogos este um filme vitalista sobre a vida trabalhado em filigrana, filtrado pela objectiva de um cineasta superior que trabalha geometricamente o espaço e a profundidade de campo mediante quadros dentro do quadro, um grande criador de quem continuamos todos a sentir a falta.
A preto e branco e a cores, com ruídos e por vezes com música inesperada, com cenários naturais e artificiais recortados de imagens suas, até com animação e efeitos digitais, com encantamento e espírito crítico esta a despedida sentida de um génio do cinema, que fecha sobre imagens do cinema num ecrã de computador.
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