quarta-feira, 7 de março de 2018

A memória, a história

      O filme "Lumière!", com produção de Bertrand Tavernier e do Institut Lumière, escrito e realizado por Thierry Frémaux (2017), recorda os irmãos Auguste e Louis Lumière que em 1895 mostraram publicamente o seu cinematógrafo, primeira forma completa do cinema, que haviam inventado nos anos anteriores.
     Recuperados e restaurados os 108 filmes (de um total superior a 2.000 do catálogo dos Lumière) de cinquenta segundos cada, temos a possibilidade de a eles assistir de uma forma historicamente pertinente e correcta, devidamente identificados, datados e acompanhados por comentários do próprio Frémaux que os situam geograficamente e na história do cinema.
       Distinguindo muito bem cada um dos irmãos, este filme conta a história de cada um dos filmes que mostra, identificando os seus intervenientes, as suas diferentes versões e o que em cada um deles está já em causa do ponto de vista da realização, que era de Louis.
                     
      Trata-se de um empreendimento histórico pela sua amplitude e os filmes que inclui, já sujeitos a uma completa análise histórica, que têm tudo que ver com o cinema que antecipam em encenação - a profundidade de campo, a diagonal, o fora de campo - e em construção dramática ou cómica, mesmo se também inspirados na pintura do século XIX. Tinham razão aqueles que afirmaram que o cinema estava já completo nesses primeiros filmes de um só plano. A montagem estava já em cada um deles, embora a de mais de dois planos tenha chegado poucos anos depois.
     Ora este filme de filmes tem tudo que ver com a "ontologia do cinema" tratada por André Bazin num escrito célebre, recordada no número 742 deste mês de Março dos Cahiers du Cinéma por Stéphane Delorme no importante dossier "Pourquoi le cinéma?", em "Sensibilité - La corde sensible", um texto a que tenho a objectar só utilizar exemplos europeus e norte-americanos e usar como sinónimos "sentimentos" e "emoções", sem os distinguir - cf. António Damásio.
    Quero a este respeito recordar aqui André S. Labarthe (1931-2018), fundamental crítico e cineasta francês, co-autor com Janine Bazin das séries "Cinéastes de nôtre temps" e "Cinema, de nôtre temps", que nos contaram a história do cinema pela voz e com a imagem dos seus principais criadores. Aí o trabalho deles tem tudo a ver com este filme. 

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