quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Glória do documentário


    "11X14" é a primeira longa-metragem do documentarista americano James Benning (1977), um filme de precisão e rigor que respira entrecortadamente ao ritmo de planos curtos, planos médio-longos e alguns muito longos de uma América interior à deriva, pobre e decadente mas humana.
    Com um título que alude ao seu rácio, este filme, hoje um clássico do documentário moderno e do seu autor, conta com alguns planos muito longos, de que destaco no início um travelling para a frente de um comboio em movimento, mais adiante um travelling para trás de um camião que avança na direcção da câmara, já próximo do fim um longo plano fixo de um casal deitado numa cama e um plano muito longo de uma chaminé a deitar fumo. Refiro-o à cabeça porque foi muito nesta direcção que a obra de James Benning evoluiu, como se pôde constata na retrospectiva que a Cinemateca Portuguesa lhe dedicou há poucos anos.                
                     
    Mas a composição geral do filme é na horizontal, na largura do ecrã, surpreendendo e mesmo acompanhando carros em movimento ou seguindo espaços em travelling lateral em planos de duração variável, captando personagens e micro--paisagens americanas, lojas, restaurantes e motéis com os seus reclames luminosos, casas e armazéns mas também campo aberto de terra e surpreende com dois planos belíssimos de aviões em voo próximo, que se vêm juntar a planos das nuvens e do céu.
    Com um equilíbrio notável, o filme joga além disso com interiores, como no plano abissal sobre uma parede branca marginada de um lado pela fotografia de um homem morto e do outro pelo braço de um homem vivo. Mas há ainda um casal em casa, nomeadamente na cozinha, com a exploração desses interiores, e então usa com pertinência a profundidade de campo .
                     À la télé ce soir: La Corde du diable
    Este um filme excelente que acaba por rimar com "La corde du diable", de Sophie Bruneau (2014), que passou na semana passada no Arte, que faz a história do arame farpado de ferro inventado nos Estados Unidos no final do século XIX e que hoje continua a ser usado nomeadamente na vigilância e no controlo e até como objecto de culto para coleccionadores. Os testemunhos neutros são apaixonantes.
    Muito bem ligado à história americana e ao presente da América, este filme muito bom, que revela a influência de Chatal Akerman em planos fixos e longos, termina com o depoimento de um índio junto da fronteira mexicana em que ele explica como os imigrantes vindos do sul não têm hipótese de sobreviver no deserto com aquele calor, acabando todos por morrer por desidratação a poucas centenas de quilómetros da fronteira.
    O filme de Benning, disponível na internet, foi recuperado agora em Viena, Áustria, e passou ontem na presença do realizador no Doclisboa, que hoje mostrou os seus filmes mais recentes, enquanto o filme da documentarista franco-belga continua disponível no site do Arte se tiverem sorte no país em que habitam.

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