terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Pensar além

    Filósofo, semiótico, medievalista, ensaísta e escritor, Umberto Eco (1932-2016) foi uma das maiores figuras do pensamento contemporâneo, na descendência do humanismo renascentista praticando várias áreas do saber e da criação sempre com grande distinção. Escrevendo cinco séculos depois de Leonardo teve muito mais, toda a modernidade nas suas diferentes fases a considerar.
     Para alguns será reconhecido pelo seu primeiro romance histórico, "O Nome da Rosa", que deu origem ao filme de Jean-Jacques Annaud (1986), enquanto outros o conhecerão melhor pelo seminal "Obra Aberta", por "Apocalípticos e Integrados", "Os Limites da Interpretação" ou "Kant e o Ornitorrinco", pelas suas histórias da beleza e do feio ou pelo seu "Tratado Geral de Semiótica" ou por "Semiótica e Filosofia da Linguagem", outros por fim pelos quatro volumes de "Idade Média", que organizou e consumou a reabilitação dessa época da fama de obscurantismo que a acompanhou durante muito tempo.
    Tratou as grandes questões do nosso tempo e do nosso passado histórico em livros de grande erudição e saber, com apurada percepção na identificação das questões e inúmeros argumentos retirados da história do pensamento, da filosofia, das artes e da literatura, depois elaborados por si. Senhor de um grande saber linguístico, pôde trabalhar seriamente e reflectir produtivamente onde muitos se perderam e perdem em escritos circulares mal informados.
                                      Aos Ombros de Gigantes
     Detentor de uma vasta panóplia de conhecimentos que começaram a mostrar-se logo na sua tese de doutoramento "O Problema Estético em Tomás de Aquino" (inédita em português), nunca se deu por satisfeito e foi sempre avançando para chegar mais longe nas suas diversas áreas científicas em obras de grande alcance teórico e literário, mais longas ou mais curtas. Na ficção histórica escreveu grandes frescos atravessados pela semiótica, fruto de laboriosa investigação e com recurso à memória quando foi esse o caso.
    Na semiótica resgatou do esquecimento o americano Charles Sanders Peirce (1839-1914), criador da semiótica moderna, de raiz lógica, que entretanto caíra no esquecimento mesmo no seu próprio país, onde chegara a ser deturpado no que dizia nos seus escritos. (Nele se baseou Arthur Conan Doyle para o seu Sherlock Holmes.) E nos seus estudos semióticos não se escusou a uma polémica sobre o cinema com Pier Paolo Pasolini nem a estudar as imagens publicitárias mais comuns, dedicando-lhes a mesma atenção que às imagens artísticas.   
     Assim surpreendeu no seu tempo e desbravou caminhos para os mais novos e para o futuro que fizeram a sua fama internacional e a sua lenda, mas sobretudo obrigam quem quiser trabalhar nas ciências sociais e humanas a conhecê-lo extensivamente.
    Não obstante, é aos mais novos e ao futuro que ele se refere na sua primeira conferência do festival anual "La Milanesiana", em que participou entre 2001 e 2015, agora recolhidas em livro editado pela Gradiva com o título "Aos Ombros de Gigantes" (Lisboa. 2018). O título, que já tinha já sido utilizado por Stephen Hawking para tratar dos grandes nomes do passado na sua área científica, é agora convocado a propósito dos gigantes por vir, o que é muito bem observado.
                            https://theskyaboveraven.files.wordpress.com/2014/06/umbertoeco1.jpg?w=263&h=300
     Este livro constitui como que o testamento intelectual de Eco, que em textos mais breves, aqui reunidos como capítulos, refaz os caminhos percorridos em maior profundidade noutros locais, mas acrescentando sempre algo de novo e original que acaba por os justificar nesta nova forma.
    Desfazendo confusões e mal-entendidos, ele aqui reconduz à sua verdadeira origem e ao seu verdadeiro significado as questões que trata, da beleza e do feio, do absoluto e do relativo (contrapondo Ratzinger e Wojtila), dos paradoxos e dos aforismos (desmontando Oscar Wilde), do falso, mentira e falsificação, das formas de imperfeição na arte, das revelações sobre o segredo, das representações do sagrado entre outras, em termos em que é inteiramente reconhecível a sua inconfundível marca pessoal.
    Ele próprio um gigante renascentista, investigador e professor incansável e escritor prolífero, deixou-nos o exemplo da sua figura de intelectual moderno, aberto ao mundo, independente e livre, cuja obra não pode ser ignorada nos diversos patamares de conhecimento que instaurou. É preciso continuarmos a aprender com o saber dele lendo-o e relendo-o.

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