domingo, 29 de outubro de 2017

Só quando chove

   "Mrs. Fang", o último documentário de Wang Bing (2017), foi apresentado no Doclisboa 2017 e foi o único filme deste importante festival internacional de cinema de Lisboa que consegui ver.
  Trata-se de mais um excelente trabalho deste extraordinário documentarista chinês, desta feita sobre uma idosa com Alzheimer diagnosticado oito anos antes, em estado terminal, em sua casa e acompanhada pelos seus familiares depois de no hospital a terem mandado para o domicílio.
   Pouco sabemos sobre ela além do seu estado presente, salvo o que os filhos, a nora e o genro dizem sobre o seu passado. Porém, o recorrente regresso a ela impõe-na como figura central, silenciosa e dominante, e esse é um dos méritos maiores deste filme. Mas o cineasta também sai para o exterior, acompanhando as personageens masculinas que conversam e vão à pesca.
                     
   Num filme que cumpre, como de costume no cineasta, as regras do plano fixo e da profundidade de campo em interiores, dois momentos maiores são o passeio dos pescadores seguidos em travelling para a frente durante um plano muito longo e o grande-plano da Senhora Fang, deitada como está todo o tempo salvo nas imagens iniciais, anteriores, também ele muito longo. 
   Além disso, os ruídos de fora de campo são uma constante, da chuva a cair ao latido dos cães, mas a sua intensidade desce até à indistinção durante o longo grande-plano da protagonista, como se tentando replicar o ponto de escuta dela. No final, três meses depois da morte da Senhora Fang, na sua canoa um pescador diminui de tamanho ao afastar-se de nós, acabando como um simples traço, uma linha no fundo do plano.
  Com a grande seriedade e o grande saber que o caracterizam sempre, Wang Bing prossegue a sua obra com um filme que nem sequer é muito longo, em que continua a demonstrar que o documentário é o mais sério dos "géneros cinematográficos" (sobre o cineasta ver "No caos", de 14 de Junho de 2017).

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