segunda-feira, 18 de março de 2019

A guerra e a paz

   Depois de "Correspondências" (2016) sobre a epistolografia entre Sophia e Jorge de Sena (ver "O rumor do mar", de 11 de Março de 2018), estreou agora "A Portuguesa", o filme mais recente de Rita Azevedo Gomes (2018). Trata-se de um filme histórico baseado na novela de Robert Musil incluída em "Três Mulheres" (1924), que teve edição portuguesa na Livros do Brasil, com adaptação de Agustina Bessa-Luís e argumento e produção da cineasta.
    Narrando os encontros e desencontros dos von Ketten/Clara Riedenstein e Marcello Urgeghe, ela portuguesa, durante o tempo que precede a paz de Trento que por sua vez precedeu o concílio da mesma cidade (1545-1563), que instituiu a contra-reforma católica, o filme tem uma belíssima composição plástica para feitos que permanecem misteriosos até ao fim.           
                     Trailer português do filme A Portuguesa
     Contando entre os seus actores Rita Durão, Pierre Léon, Luna Picolli-Truffaut, Manuela de Freitas e Alexandre Alves Costa, e com a participação de Edith Clever, tem fotografia de Acácio de Almeida, música de José Mário Branco, montagem da realizadora e Patrícia Saramago e vestuário de Rute Correia e Tânia Franco.
      Mais um caso inteiramente conseguido da denominada escola portuguesa do cinema, dá-nos um senhor em guerra - belíssima a cena dele com os cadáveres dos seus homens - e na paz - a assinatura do tratado de paz com o Bispo de Trento/Alexandre Alves Costa. Durante esta ele está por regra em casa, durante aquela vemos a sua mulher sozinha em casa, rodeada pelos seus servos, a partir de certa altura visitada pelo primo português Pero Lobato/João Vicente.
      A serenidade do filme é subitamente perturbada pelo vento que entra pela janela antes da cena do campo de batalha, por uma ave de grande porte súbita já próximo do final, que acresce ao lobo e aos gatos. De resto a composição visual é pictórica, belíssima, os planos com profundidade de campo proporcionam um bom tratamento do espaço e têm a duração justa.
     Os cenários salvo no palácio real são de ruínas, e aí se infiltra por gretas e fendas a luz. Nesses espaços trabalha a fotografia de Acácio de Almeida, uma garantia de qualidade, por forma a torná-los familiares e antigos, e neles se desdobram personagens em figuração humana luminosa.
    Comparado com outro filme histórico em cartaz, "A Favorita" (ver "17 coelhos", de 12 de Março de 2019), o filme de Rita Azevedo Gomes é esteticamente superior. Entre as coisas melhores que Portugal tem a oferecer ao mundo na actualidade conta-se o melhor do seu cinema.

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