quarta-feira, 14 de junho de 2017

No caos

   "Argent amer"/"Bitter Money/"Qu Qian" (2016) é o mais recente filme do documentarista chinês Wang Bing e passou na segunda-feira à noite na rubrica "Lucarne" do Arte. Trata-se do grande documentarista cinematográfico da actualidade e a passagem deste seu último filme explica porque vejo o Arte todos os dias.
   Estamos no sudeste da China, na zona de Shanghai, para onde convergem trabalhadores do interior em procura de trabalho que nas sua terras não têm. De uma forma plenamente equilibrada, o filme começa com os que chegam, esperançados, e termina com os que partem, desiludidos. O filme foi rodado entre 2014 e 2016.
   O que se passa entretanto são discussões familiares e discussões sobre o trabalho, filmadas nos locais, as habitações e as fabriquetas texteis onde lhes é possível trabalhar. Pormenorizados excertos dão-nos o trabalho nas máquinas mas a maior parte do filme decorre a acompanhar trabalhadores que sobem e descem escadas, discutem o presente e o futuro, convivem e se embriagam.
                     BITTER
    E é a vida real que assim mais uma vez nos chega num filme de Wang Bing, a vida dos mais desprotegidos porque entre o desemprego e um trabalho precário que procuram longe de casa, que tentam não se deixar enganar nem roubar por aqueles que os empregam, que se debatem também eles com dificuldades.
    Ao devolver-nos fielmente esse quotidiano, filmado por vezes com dificuldades e envolvendo pelo menos uma vez perguntas feitas de trás da câmara às personagens, Wang Bing cumpre mais um passo decisivo numa obra fundamental e de referência. Percebem-se as dificuldades de manter em cada momento a câmara com o melhor quadro, a melhor composição do plano-sequência, se possível com profundidade de campo, dificuldades próprias do documentário mas aqui especialmente notórias devido à agitação do meio envolvente. 
   A cidade com os seus edifícios, a sua vida, os seus ruídos, as suas luzes na noite está, omnipresente, por todos os lados daqueles pequenos seres, na maioria jovens, que no filme se agigantam por momentos - os de uma caminhada, os de uma discussão, os de uma bebedeira - para no seu final desaparecerem como nós, espectadores.
   Wang Bing é um dos maiores cineastas actuais, de quem vale a pena conhecer tudo, o que continua a mover-me como no passado me moveu com os clássicos e os modernos de todo o mundo. 

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