segunda-feira, 10 de julho de 2017

Ascenção e queda

   Vencedor do Oscar do melhor documentário deste ano, "O. J.: Made in America", de Ezra Edelman (2016), é um filme muito longo, com um total de mais de sete horas em cinco partes, que a propósito do seu personagem principal, O. J. Simpson, traça um retrato impiedoso da América contemporânea.
   Com recurso a imagens de arquivo desde os anos 60, em especial sobre a questão racial, fornece um contexto sociológico e político para o caso, bem conhecido de todos, de que se ocupa. E sobre este socorre-se também de imagens de arquivo e de depoimentos dos intervenientes desde o início.
   Para contar a história do processo e julgamento por homicídio do protagonista não seria preciso tanto, mas Edelman leva até aos limites da probidade a sua investigação e até aos limites do suportável a atenção do espectador. Perplexo, este não terá que fazer mais do que formar a sua opinião sobre aquilo que lhe é dado a ver e ouvir.
    É muito difícil não ser pessimista sobre a América aqui mostrada, sociedade do espectáculo, do dinheiro e da artimanha, muito diferente da imagem que dela nos tenta passar Hollywood. As suas questões sociais não parecem poder ser ultrapassadas facilmente e o seu sistema judicial é muito permeável a outros factores, opinião pública e media incluídos, que não a procura da verdade e da justiça.
              
      A vida de O. J. Simmpson até ao momento do crime de que foi acusado foi longa e corresponde à sua ascensão enquanto que o processo que se lhe seguiu foi também longo e corresponde à sua queda. Figura mítica do imaginário americano por ser uma estrela desportiva e mediática, compreende-se o impacto que os acontecimentos tiveram na opinião pública e nos media e justifica-se a atenção que lhe dedicou aqui o cineasta num filme muito longo e pormenorizado.
      Na sua ambição de ser completo, "O. J.: Made in America" esgota o seu tema de uma maneira que um livro dificilmente conseguiria porque tem acesso às fontes de imagens de arquivo que utiliza e recolhe os depoimentos actuais da maior parte dos envolvidos na vida e no processo do seu protagonista. Sem inovar cinematograficamente, desempenha muito bem o papel que lhe cabe sem, aparentemente pelo menos, deixar de lado nada de relevante.
      Tal como o tempo que ele viveu, o processo de O. J. Simpson foi complexo e tortuoso pelo que há que estar atento a todo o filme, a todos os seus detalhes e implicações. É um filme que vivamente aconselho porque faz, de forma contextualizada e completa - e permite fazer - o processo do próprio país de maneira exemplar a partir das imagens de arquivo e do seu comentário na actualidade
     Sobre o país mais rico do mundo pairam sombras assustadoras que ele precisa de identificar e de vencer. Este filme foi transmitido na íntegra na sexta-feira e no sábado passados no Arte.

Sem comentários:

Enviar um comentário