quarta-feira, 24 de maio de 2017

Defeito e feitio

    Desde "A Árvore da Vida"/"The Tree of Life" (2011), o seu último grande filme, que Terrence Malick, um dos nomes maiores do cinema americano, tem entrado em trajectória descendente, de que "Música a Música"/"Song to Song" (2017) é o ponto mais baixo.
    Trabalhando embora, como sempre, sobre argumento seu, o cineasta perde-se nos labirintos de personagens cifradas. Percebe-se o esforço experimental mas não basta hoje fazer à maneira do que Michelangelo Antonioni, Alain Resnais ou Jean-Luc Godard há mais de 50 anos faziam, nem encher o peito com a reprodução de uma fotografia icónica de Arthur Rimbaud.
    Mesmo acompanhando o filme detidamente, e especialmente fazendo-o, percebe-se que o próprio recurso à "subjectiva indirecta livre" de um "cinema de poesia" teorizado por Pier Palo Pasolini e Gilles Deleuze é já algo muito ténue e oportunista, presente como monólogo interior apenas para fazer valer esse ponto como estilo.
     Contudo, a mistura audiovisual variada aproxima-se do vídeo-clip em vários momentos - no que talvez seja o conceito de musical do cineasta -, os movimentos de câmara que associam travelling e panorâmica são exagerados e as personagens navegam livremente sobre si próprias valendo mais pelo que mostram do que pelo que são, já que carecem de qualquer densidade.
                    
     Além disso, anoto a total ausência de personagens que não sejam brancos e a total ausência de humor declarado, um aspecto que costuma aproximar o cinema americano do seu público - talvez por intransigência do cineasta. Considerando-o embora, haverá que notar que aquelas personagens e os seus problemas, que se reduzem a triângulos amorosos, podem ser típicos dos americanos brancos católicos do Texas na actualidade.
     Não rejeito, assim, sem mais este filme de um cineasta que prezo e que aqui quer de novo exibir a sua qualidade artística. Vistos em perspectiva daqui a uns anos, "A Essência do Amor"/"To the Wonder" (2012), "Cavaleiro de Copas"/"Knight of Cups" (2015) e este "Música a Música" poderão vir a formar uma trilogia importante na obra de Malick, mas mais do que os anteriores o seu último filme mostra mais os defeitos que o feitio de uma "maneira" tida como "estilo".
     Percebe-se que naquele timbre aquela música possa estabelecer com o seu instrumento as variações que quiser. Com mérito inegável, os grandes actores - Michael Fassbender, Natalie Portman, Ryan Gosling, Rooney Mara, Cate Blanchett, Holly Hunter - limitam-se a sinalizar e caucionar o "grande filme" do "grande cineasta. O que agora, se de trilogia se tratar, se impunha era sair do "círculo vicioso", agora manifestamente esgotado.
     Na sua seriedade como "autor" num tempo e num espaço que a eles não são favoráveis, Terrence Malick é um cineasta que continua a interessar-me fora do "fogo de artifício" da actualidade, do box office e da crítica. 

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