sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

A boa pergunta

   Na esteira do fim da filosofia anunciado por Heidegger, tem surgido a pergunta "o que é a filosofia?", cuja pertinência Gilles Deleuza colocava já no final dos seus escritos sobre cinema no lugar do baziniano "o que é o cinema?"
   O próprio Deleuze respondeu-lhe com Félix Guattari num dos seus últimos livros, felizmente traduzido em português (Lisboa: Presença, 1992), que dá a resposta deles que é preciso conhecer. Agora é Giorgio Agamben quem, numa altura em que concluiu já a notável série "Homo Sacer" (1995-2014), vem relançar a questão num novo livro de 2016, com edição francesa em 2018 (Paris: Galilée).
   É bom lembrar que este livro replica a interrogação do filósofo italiano do dispositivo e do contemporâneo. E perguntar o que é significa também na resposta dizer o que não é - dispositivo, contemporâneo, agora a filosofia.
                                  14.27_26_Giorgio Agamben_Coragem pensamento desespero
      A resposta dele é de uma grande argúcia e sabedoria, pois parte da Jacques Derrida para nos reconduzir à palavra em si e ao dizível dos estóicos a partir de discutidas fontes gregas que também a qualificam como "música suprema". Não há grandes dúvidas quanto ao lugar cimeiro que ele ocupa na filosofia contemporânea, pelo que este seu livro é especialmente aconselhável.
      Este um livro escrito para o nosso tempo, pelo que a edição portuguesa não deve tardar. Não é preciso ser Sherlock Holmes nem o recurso à semiótica de Peirce revista por Umberto Eco para perceber onde reside a causa da crise moral do nosso tempo. A ignorância nunca fez bem a ninguém.
                                          Páginas Esquecidas
      Em Portugal a filosofia não é uma prioridade no ensino nem na edição, pese embora a merecida e oportuna publicação dos inéditos e dispersos de Agostinho da Silva pela Quetzal: "Páginas esquecidas", com edição de Helena Briosa e Mota, que vivamente aconselho. Por isso mesmo é mais importante a actividade de reflexão e tradução de Fernanda Bernardo a partir da Universidade de Coimbra. 
       E na filosofia tudo é pensado, da ciência à técnica, do direito à história, da arte à própria filosofia. Dela nasceram por separação outras disciplinas como a teologia. Influenciada pelo seu próprio tempo, com recurso à sua história também o influenciou e pode continuar a influenciar.
                                          Como Derrubar Trump e Outros Ensaios
       Na filosofia como no mais há também os fenómenos de popularidade, nomeadamente na filosofia política, como é o caso do lacaniano-marxista Slavoj Zizek, cujo livro mais recente, "Como Derrotar Trump e Outros Ensaios" (Lisboa: Relógio d'Água, 2018) também aconselho.
       A partir das suas premissas ideológicas, este filósofo tem animado o debate internacional sobre o estado do mundo em termos informados e acessíveis, no que reside o seu mérito principal.

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