sábado, 23 de fevereiro de 2019

No interior


            Depois de “Ex-Libris: The New York Public Library” (2017), Frederick Wiseman continua a encadear obras-primas uma a seguir a outra com este "Monrovia, Indiana" (2018) sobre uma pequena cidade do interior, um filme com múltiplos motivos de interesse.
            O dispositivo agora é o do exterior, largamente tratado sobretudo na sua parte rural com que se inicia: os porcos, cujo destino não é preciso explicar ou mostrar. Mas o filme acompanha também extensivamente situações e diálogos de interior, no barbeiro, na loja maçónica (o que é uma raridade), na comissão de planeamento, nas conversas de amigos que notam as doenças primeiro, as mortes depois, no cabeleireiro, na loja de armas que são um problema num estado com alta taxa de criminalidade violenta, nas igrejas cristãs - um casamento e um funeral.
            Pela primeira vez de uma forma tão próxima e detalhada na obra do cineasta, temos acesso ao american way of life tal como ele existe e é vivido por uma comunidade pequena e rural. Quando fazem compras aqueles americanos estão a viver o american way of life, tal como estão a dar a parte que lhes cabe quando discutem uma entrada ou um banco, com conhecimento de causa.
          Os planos são em geral curtos excepto quando alguém fala. Aquela terra é mesmo assim, aquela gente vive mesmo assim, todos se conhecem uns aos outros e se estimam há muito.
                      
           Este tipo de convívio é diferente do da grande metrópole, em “In Jackson Hights” (2015), e aquilo que parece interessar o cineasta é o que aproxima as pessoas e como elas se relacionam em torno de que questões.
           Chamadas de atenção para a loja de venda de armas, que sem o dizer a não ser por escrito vai surpreender um problema grave naquela comunidade, e para o discurso final do sacerdote no funeral, dado num só plano longo apenas com contracampo no fim. Segue-se o enterro propriamente dito, numa segunda ida ao cemitério, com as pazadas de terra a serem retiradas do solo para cobrirem o caixão. Tudo muito material no fecho do filme.
          A montagem é rápida, os planos curtos mas com a duração suficiente para a construção de um discurso fílmico fluido, em que tudo é perceptível embora nada dure mais do que o estritamente necessário.
          De "Monrovia, Indiana" desprende-se um sentimento de angústia decorrente de daquela comunidade serem mostradas mais mortes do que nascimentos, o que significa a tendência para o envelhecimento da população, embora as perspectivas de futuro sejam também discutidas.
         Frederick Wiseman está aqui no pleno uso das suas capacidades criativas, excedendo-se em precisão e rigor num filme que nem sequer atinge duas horas e meia de duração. Depois de grandes filmes analíticos a síntese possível dada a dimensão do meio. Comovente e esclarecedor.

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