quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Distâncias

    O mais recente filme do franco-tunisino Abdellatif Kechiche, "Mektoub, My Love: Canto Uno" (2017), o primeiro de uma anuncida trilogia livremente inspirada no romance "La Blessure, la Vrai" de François Bégaudeau, é um filme surpreendente por várias razões. 
    O argumento é do realizador e Gahlia Lacroix e tem cinco personagens centrais, todas jovens: Amin/Shain Boumedine, fotógrafo e candidadto a argumentista, Ophélie/Ophélie Bau que tem o noivo longe, nas guerras da época, há quatro anos mas se entende com Tony/Salim Kechiouche, de quem Charlotte/AlexiaChardard gosta, e Céline/Lou Lotiau livre mas receptiva. O local é Sète, no sul de França, o ano 1994 e o meio a comunidade tunisina em França.
    Não me preocupam o meio, a localização, nem sequer as personagens, que vivem os amores próprios da sua idade com um vigor meridional, mas a distância temporal a que o filme se coloca, o que torna tudo mais claro pensando-se na idade que as personagens terão agora, e uma outra distância, que é encurtada, a da câmara aos actores.      
                       Alexia Chardard, Lou Luttiau, Shaïn Boumedine, Salim Kechiouche dans "Mektoub My Love : Canto Uno" d'Abdellatif Kechiche
     Claro que o entrecho é telenovelesco mas o certo é que Abdellatif Kechiche constrói o seu filme com base em cenas maioritariamente longas em vários planos e com movimentos de câmara mas mantendo por regra a câmara próxima dos rostos dos seus actores. Muito expressivos e volúveis, estes chamam a atenção sobre as personagens num primeiro grau que a planificação reforça. Encurtadas as distâncias tudo se torna flutuante na sua sucessão rápida.
     A comunidade tunisina no sul de França idealiza Paris, as relações entre os cinco complicam-se e transformam-se ao sol quente do sul e com a desajuda dos mais velhos, enquanto  os corpos se mantêm próximos uns dos outros e brilham ao sol. Mas há ainda uma outra distância a assinalar que é a proximidade da natureza, no rebanho do pai de Olphélie que Amin, que a quer fotografar a ela, fotografa.
     A duração do filme parece-me excessiva mas a fotografia de Marco Graziaplena e a montagem de Nathanaëlle Gerbaux e Maria Giménez Cavallo permitem criar ritmo e rimas que o equilibram em simetria. Mas as distâncias temporal e física são aqui fundamentais, por exemplo entre a proximidade de Ophélie e Tony no início e apenas Amin e Charlotte sós e juntos na praia no final.
     Depois de "A Vida de Adèle"/"La vie d'Adèle" (2013), este filme faz todo o sentido na obra de Abdellatif Kechiche, que continua a ser um cineasta a acompanhar com atenção.

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